Autista também adoece. Parece óbvio, mas não é. Geralmente, as pessoas leigas e até profissionais de saúde acreditam que o que acontece com a pessoa autista é por causa do TEA – Transtorno do Espectro Autista. Não, não e não! Há um mês, precisei passar por uma pequena cirurgia na boca, por causa de um dente que teria de fazer canal. Isso porque o meu bruxismo, aqui sim, agravado por minha condição autista, comprometeu esse dente. Assim, por causa de minha rigidez cerebral fui ao dentista disposta a cumprir as regras e colaborar para que o serviço fosse feito.
O início da saga
Certamente, comuniquei à clínica e ao profissional que estou dentro do espectro. Serviço executado depois de uma hora na cadeira da tortura e fui para a casa com a receita na mão e nenhuma recomendação a mais. Tão logo a anestesia passou, percebi que havia comprometido minha articulação e que minha boca estava toda machucada. A partir daí, desenvolvi uma labirintite aguda. Voltei, cambaleante à clínica, sem conseguir atendimento. Mas saí de lá com nova receita.
Resumindo a história desse massacre, tive de procurar outra clínica, novos profissionais e me submeter a extração do dente, no sábado passado, dia 22 de abril. Sim, perdi meu dente. O início da saga se deu no dia 02 de abril. Entretanto, já ontem, percebi enorme melhora na labirintite. Hoje, finalmente, acordei sem tonteiras. E minha boca está perfeita. Isso mesmo, sem machucados e sem dor em momento algum.
Autista adoece sim. E se cura também
Volto, portanto, a este espaço tão precioso para mim, para comemorar com vocês: escapei! Sobrevivi. A despeito da incompetência do profissional e da inexistência da humanidade em alguns ‘doutores’, sobrevivi. Contudo, infelizmente, não saio completamente ilesa. Saio com mais uma ferida na alma, como sequela. Ainda ressoa em meu cérebro, o espanto de indignação do Dr. Arrupiado (apelidei-o assim), quando disse que a rigidez cerebral dele estava pior que a minha, que sou autista: Ele arregalou os olhos e disse estupefato: “Ora, agora você me ofendeu.” Ah, Dr. quisera eu que o sr funcionasse dentro da autenticidade da lógica de nosso cérebro neurodivergente…”
Assim, ao acordar hoje, radiante, pensei: “Que bom estar de volta à ativa, ainda neste mês de abril, mês da conscientização sobre o autismo. Nosso lema diz tudo: “Mais informação, menos preconceito.” Afinal, é preciso berrar aos quatro ventos: o diagnóstico do autismo não explica o ser humano. Qualquer que ele seja. Somos seres humanos, com características individuais. E, claro, entre elas o autismo. Mas não somos o autismo.
Autistas: Viva as diferenças!
Além disso, quando recebemos o diagnóstico na fase adulta percebemos muita coisa. Assim, damos um passo importante rumo ao autoconhecimento. Entre os aprendizados, a certeza de que teremos de tratar muitas feridas abertas causadas, não por pessoas típicas desavisadas. Mas por pessoas típicas sem um pingo de empatia. Ou, pelo menos, se têm a empatia, se negam – sabe-se lá por que – a exercitá-la em suas relações pessoais e profissionais.
Viva a diferenças que nos abre infinitas possibilidades ao conhecimento humano!
Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, além de escritora e radialista. Pós-graduada em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD, promovido pela Plataforma Negócios da Comunicação. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.