Selma Sueli Silva
Atriz e produtora lança projeto que “amplia a visibilidade de mulheres artistas com deficiência para mostrar como é ser mulher e artista e ter uma deficiência, e não uma pessoa “deficiente””.
O convite
Em 2017, recebi uma mensagem no whatsapp de uma pessoa que estava com um projeto sobre mulheres artistas com deficiência. O convite era de Thaís Vaz que participou da décima primeira temporada da série de televisão brasileira Malhação, produzida e exibida pela Rede Globo entre janeiro de 2004 e janeiro de 2005. Depois disso, ela participou de outras novelas, como “Bicho do Mato” e Rei Davi”, fez cinema e montou sua própria produtora. Conversamos ao telefone e me apaixonei pelo projeto e pelas mulheres selecionadas para a participar da série.
O Projeto
Thaís conta que o projeto “inicialmente era pra ser uma série ou filme documental sobre mulheres artistas com deficiência.” Ela queria dar visibilidade para “artistas que tenham essa característica, e entender como é o dia a dia dessas mulheres e como a arte é criada a partir desses corpos.”
A atriz chamou a atenção para o fato de que a maioria dos programas trata a pessoa com deficiência como vítima e usa a dor daquelas pessoas para sensibilizar espectador. Por isso, ela resolveu que em seu projeto iria mostrar como é ser mulher e artista e ter uma deficiência, e não uma pessoa “deficiente”.
Mulheres Coragem
Enfim, o projeto foi delineado com ênfase na pluralidade, por ter mulheres de diferentes idades, deficiências e artes. Para Thaís, esse aspecto permite o enfoque de vivências diferentes – que é a beleza e a riqueza do documentário. “Ter uma visão macro da coisa toda. São mulheres de alguns estados do país. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Santa Catarina…”
Por que falar de mulheres artistas com deficiência?
É a própria Thaís que responde:
“Descobri que uma mãe com deficiência pode fazer tudo o que outra mãe faz, mas do jeito dela, no tempo dela. Que pode existir uma mulher radialista autista, uma dançarina amputada. Afinal a pessoa não é deficiente, ela possui uma deficiência. Aprendi também que o termo correto para se referir a alguém com essa característica é PESSOA COM DEFICIÊNCIA (PCD). Depois de 3 longos anos tentando a projeção deste projeto decidi falar dele no Instagram, no @mulhercoragemdoc, por meio de lives. Infelizmente, não conseguimos, ainda, nenhum investimento do governo e nem de empresas privadas.
Eu acredito ser muito importante e necessário falar sobre essas mulheres, suas necessidades e desejos. Quero que as pessoas conheçam essas artistas, e como é maravilhoso ver a arte sendo criada a partir desses corpos. Eu desejo que com a projeção dessa série possamos incentivar mais pessoas com deficiência a entrar no mercado artístico e assim termos uma diversidade cultural maior. Será interessante inspirar outras PCDs que se identificarão com as histórias e irão melhorar a autoestima, a qualidade de vida e a construção de sua própria identidade. Além, claro, de todo o resto da sociedade, pois é imprescindível que todos aprendam a se relacionar verdadeiramente com elas. Essas mulheres já estão inclusas na sociedade, mas o que lhes falta, é oportunidade.”
O teaser dessas lindas histórias
O teaser feito para a chamada às lives de Mulher Coragem destaca o lado de ser mulher e artista e envolve muito mais do que uma questão de gênero e vocação. Para a produtora, “ser mulher e artista nesse país já tem seus obstáculos e ter uma deficiência junto, só agrega o preconceito da sociedade às capacidades dessa mulher.” Com lives semanais, a partir de junho, Thaís pretende desmistificar isso. Ela vai convidar sempre uma artista diferente, mas ainda quer se aprofundar um pouco mais no cotidiano dessas mulheres. E confessa: “Ainda gostaria de ver esse projeto se concretizar como um documentário ou uma série.”
É importante frisar que essas mulheres serão mostradas sob a perspectiva de sucesso e não do vitimismo. “Elas são artistas e são mulheres como várias, o detalhe está no fato de que elas realizam ações do dia a dia e manifestam suas artes de formas diferentes.”
Na pele
Além da grande experiência como atriz e produtora, Thaís reconhece que a maturidade maior para a realização desse projeto veio de sua vivência mesmo. Ela própria possui visão monocular em consequência de um relacionamento abusivo, ainda aos 19 anos. A produtora conta que teve de se “desdobrar em outras áreas porque vivi na pele um preconceito velado como atriz. Nessa profissão é preciso que você seja perfeita.” A atriz se frustrou muito, embora já imaginasse que seria assim. Ela relembra que “a cegueira entrou na minha vida quando eu tinha acabado de me inscrever na faculdade de Teatro, TV e Cinema. Eu não pensei em nenhum minuto em desistir.” Na época, ela trancou a matrícula, mas retornou à faculdade depois de 6 meses. Durante o curso fez uma cirurgia, mas concluiu a faculdade, como era seu desejo. A atriz fala dos muitos nãos que ouviu ao longo da carreira, o que, segundo ela, a enriqueceu muito, pois a levou ao aperfeiçoamento em outras áreas. Thaís cria os próprios projetos, mas reconhece que teve poucas oportunidades para realmente mostrar seu trabalho.
Para Thaís Vaz, as mulheres de seu documentário passaram pela mesma situação. Muitas se reinventaram, escolheram profissões “não óbvias”, são mulheres corajosas. E finaliza com firmeza: “Você tem que ter muito peito para ir de contra a dita normalidade. Todas essas mulheres coragem tem uma autoestima invejável, são vaidosas e bem humoradas. Apesar de tudo, o debate com elas é leve, divertido e muito poético.”
Mulher Coragem
Lives estreiam em junho @mulhercoragemdoc
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.