Ludmilla Soares e Victor Mendonça
Neste momento de isolamento, como a escola pública age para manter o vínculo com o aluno e suprir o risco de evasão escolar? A superintendente de inclusão em Contagem, Ludmilla Soares, fala sobre como manter a relação escola- aluno- família durante a pandemia.
Victor Mendonça: Hoje eu estou aqui com a Ludmilla Soares, que é superintendente de inclusão em Contagem, município próximo a Belo Horizonte. Ela faz um trabalho que eu admiro muito e já participou do canal em outra oportunidade. A Ludmilla vem para sobre educação inclusiva em meio a esse contexto louco que a gente vive, de quase distopia, de quase ficção científica, que é a pandemia.
Ludmilla Soares: Victor, realmente o coronavírus pegou todos nós de surpresa. Sem dúvida, a educação é um dos segmentos mais impactados por essa pandemia mundial. Nós ainda não conseguimos avaliar os impactos na educação deste momento de isolamento, de distanciamento que estamos vivendo. Em relação a educação inclusiva, os desafios são imensos, porque trata-se de um público que requer um olhar muito cuidadoso, apoios e recursos pedagógicos. E, neste momento de distanciamento social, onde a escola não é mais o local de encontro diário, as famílias assumem um papel muito importante na educação dos filhos. Neste primeiro momento, nossa preocupação é exatamente com a manutenção do vínculo dos nossos estudantes com a instituição escolar. Por meio de um acolhimento das famílias, de uma escuta minuciosa, tentando apoiar a família em vários eixos da vida doméstica na organização da rotina. Às vezes, até acompanhando alterações de comportamento dos nossos estudantes, que estão em casa, por um período muito longo. Hoje, o nosso olhar está mais no campo humano e social do que no campo pedagógico. Mas, sem dúvida, para o público da educação inclusiva, que são cerca de 1800 estudantes com várias deficiências físicas, sensoriais, motoras e intelectuais, somadas às questões da vulnerabilidade social, da dificuldade de acesso às mídias digitais, a dificuldade da família em ser mediadora desse processo, desses atendimentos são bem maiores. Então, nós estamos tendo que nos reinventar, buscando possibilidades e alternativas, para que a gente consiga acessar esses estudantes e essas famílias no ambiente doméstico, levando um pouco de solidariedade, nos colocando à disposição dessas famílias numa perspectiva de ajuda mútua. Porque neste momento, como eu disse, a aprendizagem escolar não é prioridade. Prioridade é o ser humano e o bem-estar dos nossos estudantes e nós não podemos, de maneira alguma, sobrecarregar as famílias, porque pai e mãe não são professores. Eles não têm formação pedagógica para este trabalho de mediação de conteúdos pedagógicos no ambiente doméstico. Nós temos tomado vários cuidados para que as atividades que oferecemos neste momento, não sejam estressantes para a família, que não dentro do ambiente doméstico. Estamos tomando muito cuidado para que não seja atividades complexas, que requeiram materialidades muito específicas. Então, é uma série de questões que nós precisamos analisar e acompanhar. Sempre com um olhar muito carinhoso e cuidadoso para que nesse momento a gente possa fortalecer essas famílias e levar aos nossos estudantes que estão em casa já há mais de 120 dias, sem algum tipo de atividade, pelo menos alguma intervenção. Porque, nós sabemos também, que diante deste isolamento e do impedimento de estar no ambiente escolar, muitos dos nossos estudantes que já estavam no processo de desenvolvimento global avançado em relação a comunicação, a interação social e as aprendizagens, muitos deles terão, infelizmente, um retrocesso nesse processo. Esse período longo de afastamento da rotina escolar, ele realmente trará prejuízos e nós teremos que avaliar individualmente caso a caso quando pudermos voltar. Faremos a chamada avaliação-diagnóstico. Estamos em um momento onde nós todos, juntos, precisamos de unir esforços para acompanhar essas famílias e fortalecer esse vínculo emocional à escola, pois não podemos perder os nossos estudantes. A gente já está fazendo busca ativa na rede de algumas crianças que não respondendo as atividades escolares na comunicação com as escolas, porque nós tememos a questão da evasão escolar. Às vezes, as mães conversam comigo no WhatsApp ou em outros canais e falam dessa preocupação com o momento e, depois, da volta às aulas. Muitas falam comigo que não podem retornar com os filhos nesse período de final de ano letivo por questões de saúde. Então, o nosso quadro é extremamente heterogêneo, diversificado e com muitas variáveis que precisam ser analisadas, sempre caso a caso. É um momento em que a família e a escola estão ressignificando as suas relações.
Victor Mendonça: Exato, Ludmilla. Uma coisa que você falou e que me chamou a atenção foi, justamente, o foco no ser humano. Esse foco em cada pessoa para que ela possa ter um alicerce para aprender a se manter, porque a aprendizagem de conteúdo não é, neste momento, o principal. E sim o foco no ser humano para que ele possa ter condições, inclusive, de aprender. Achei muito bacana isso que você pontuou.
Ludmilla Soares: Exatamente. Porque, cada família tem as suas características, têm os seus modus operandi próprio, a sua forma de se relacionar entre si e com os outros. E, de forma alguma, nós podemos ser invasivos. Hoje, nós entramos na casa das pessoas para propormos intervenções com os filhos que são nossos estudantes. Nós precisamos ter todo um cuidado com essa articulação para não sobrecarregar os pais, não estressar essas famílias, não demandar deles materialidades que, às vezes, eles não dispõem. Então, tudo que a gente está enviando são propostas de brincadeira, de jogos, de atividades lúdicas. Estamos sempre pensando nessa materialidade que está disponível dentro de casa que a família não vai precisar sair para adquirir, que não é nada dispendioso do ponto de vista financeiro e o que a gente mais quer Victor, é que as famílias possam aproveitar esse tempo junto, esse tempo em casa, conhecer melhor os filhos, acompanhar melhor o desenvolvimento deles, conversar e dialogar.
A nossa proposta hoje é de acolhimento fraterno, de acompanhamento, às vezes, até uma escuta da família que foge totalmente do atendimento especializado, do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é o nosso principal serviço na educação inclusiva.
Além de fazer o acolhimento das famílias, fazemos a escuta, oferecendo também o serviço complementar de maneira remota. Oferecemos atendimentos individualizados ou coletivos sempre com essa pegada mais lúdica, porque realmente a gente sabe que todos estão passando por um momento muito complexo, que tira todo mundo do eixo, do equilíbrio. Às vezes, as crianças ficam com dificuldade, com sono. Às vezes, o impacto é na alimentação, às vezes fica mais agressiva, mais irritada e a gente precisa então buscar possibilidades para amenizar um pouco essas questões.
Victor Mendonça: Nesse momento em que estamos fora do eixo, que é o momento de uma crise, é justamente o momento da gente repensar, ressignificar, se reinventar. O que encanta em suas propostas, Ludimilla, é que você está preparada para lidar com gente e com a educação. E aí, pode vir a maior barreira que for que você está preparada para assumir esse desafio e inovar. Porque, na zona de conforto, a gente não inova.
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