Crise dissociativa no TEA - O Mundo Autista
O Mundo Autista

Crise dissociativa no TEA

Imagem desfocada do evento citado no texto Crise Dissociativa no TEA

Imagem desfocada do evento citado no textp.

Como funciona a crise dissociativa no TEA? Em primeiro lugar, vamos entender o que é crise dissociativa. Uma crise dissociativa é um episódio de uma condição psicológica que pode causar alterações na consciência, memória, identidade, emoção, percepção do ambiente e controle dos movimentos e comportamento.

Portanto, no caso de pessoas autistas, o que acontece é mais a despersonalização, uma sensação de desconexão consigo mesmo. Ou ainda, a desrealização, ou seja, uma desconexão com o mundo e com as pessoas, na qual tudo parece irreal.

Crise Dissociativa, aconteceu comigo

Neste período, em agosto do ano passado, me convidaram para falar sobre neurodivergência, em uma grande empresa pública. Comigo, muitos nomes relevantes na área da diversidade e inclusão. Alguns eu conhecia, outros não. Logo que cheguei, me direcionaram, por telefone, a um hotel, onde passaria a noite para, na manhã seguinte, participar do evento.

Foi quando surgiu a primeira barreira atitudinal à minha inclusão no evento, como pessoa autista. Eu não tive ninguém me aguardando no aeroporto. Fui de uber ao hotel. Lá, falei de minha reserva e passei tenebrosos segundos, ouvindo um atendente perguntar para o outro sobre minha reserva. Depois disso, disseram. “Nós temos reservas para este evento, mas o nome da senhora não consta.

O medo que já é parceiro nos meus enfrentamentos sociais, explodiu e gerou muitos filhotes em minha cabeça. Senti-me sozinha, excluída, desamparada. Sei que, para a pessoa típica, isso é um exagero. Mas para o cérebro neurodivergente, as emoções vem sempre elevadas à enésima potência. Liguei para a Comissão Organizadora que me esclareceu que meu hotel, estava a 200 metros dali. Lá fui eu, meus filhotes de medo/insegurança e as malas para meu destino. Detalhe: Chovia, eu estava sem almoço e muito cansada.

No Hotel

O recepcionista do hotel checou e lá estava a minha reserva. Só eu, mais ninguém do evento. Olhei em volta e percebi que o hotel era mais modesto que o outro, onde o restante da equipe estava. Subi, e a questão só não repercutiu em minha autoestima, porque sou Relações Públicas, além de jornalista. Portanto, eu sei que existem especialistas, autoridades em determinados assuntos que são mais flexíveis para se lidar.

Geralmente, a comissão prioriza aqueles “nomes” de trato mais complicado, para evitar incidentes. Assim, como existem paparicos para aqueles que, mesmo que inconscientemente, gostam disso. Tudo bem. Sei que eu e minha filha (que teve outro compromisso e não pode aceitar o convite), somos referência no assunto diversidade e inclusão. Nem mais, nem menos que nenhuma outra autoridade presente.

Depois do banho desci para almoçar. Não havia nenhum restaurante por perto e nem local para um lanche. Fui deitar com fome.

Fantasmas do cérebro neuroatípico

Ao amanhecer, tentei criar o dia que eu queria, ou seja, um dia maravilhoso. Orei, tomei café e foram me buscar no hotel. Ao chegar ao local, muitas pessoas. Cumprimentei algumas pessoas, outras me foram apresentadas. Eu não as conhecia pessoalmente. Quando percebi, não estava em nenhum grupinho específico e nem conseguiria entrar em nenhum, sem me sentir invasiva e inconveniente. Posso não estar traduzinho a realidade. Realço: esses sentimentos são os pensamentos boicotadores de Selma Sueli. Conhecê-los, saber disso não significa necessariamente, que eu já tenha resolvido a situação, quando ela aparece.

Ainda chovia, eu estava com um vestido, meia fina e casaco. Minha temperatura corporal, começou a variar. Outra consequência de meus pensamentos catastróficos pela falta de antecipação de tudo que iria acontecer.

Crise no autismo

Passei a apertar minhas 10 unhas, como tentativa de me acalmar. Certamente, com o cuidado de não ser notada em meu ‘stim’, ou melhor, estereotipia. Estava demorando demais para iniciar o evento e, socorro, a luz vermelha acendeu. Quando estou nervosa tenho medo de falar demais e espantar ou cansar, qualquer ouvinte.

Assim, o fato de uma pessoa conhecida estar sentada ao meu lado, quando finalmente fomos convidados a entrar e ocupar nossos assentos, não me salvou. Até poderia, mas passou do momento adequado. Eu já estava aflita, os pensamentos a mil e me sentindo incomodada com minha roupa, sapato e cabelo. Respirei fundo, tomei um pouco d’água e foquei no evento. Repassei mentalmente seus objetivos e tracei o roteiro mental de minha fala, centrada na tarefa de agregar, contribuir.

Então, o evento começou e eu, como sempre, passei a anotar quem falava e tudo que me interessava daquela fala. Dessa forma, chegou a minha vez. Assim, permaneci focada e disse tudo o que queria, por meio de minhas vivências, o que somei às falas já acontecidas. Aliás, não só isso, elenquei, com exemplos da vida diária em organizações empresarias, as necessidades para uma inclusão de fato. Ou seja, Uma inclusão real, que trouxesse a pessoa neurodivergente ao mercado de trabalho, deixando de ser um peso para a sociedade. Ao contrário, ela passaria a compor o PIB brasileiro. E a empresa teria resultado favorável, e experimentaria o retorno positivo de uma inclusão bem feita. Missão cumprida, pessoas me cumprimentando ao final do evento. E eu, claro, falando com outras pessoas com as quais também, ampliei meu repertório.

Crise dissociativa no TEA

Quatro dias depois do evento, eu já estava em casa, Belo Horizonte, e tinha horário com minha psiquiatra. A primeira coisa que ela fez foi perguntar sobre o evento. Contei tudo e terminei dizendo: “Não sei se é por proteção, mas eu foquei e deliguei do resto. Cheguei a me sentir fora do meu corpo:, ouvindo o que eu mesma dizia. E foi o que me ajudou a lidar com tantas variáveis. E com o meu próprio desconforto e sensação de inadequação. Foi esse o dia em que descobri que essa sensação tinha nome e agiu como mecanismo de defesa para que eu desse conta de tudo. O nome? Crise Dissociativa.

Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments