Victor Mendonça
Hoje, eu vou falar sobre um tema que está muito em voga, que a proliferação do novo coronavírus e a covid-19, e todo o isolamento social, o lockdown, que tem ocorrido em função disso. Minha intenção aqui não é, nem de longe, desmerecer as consequências negativas dessa pandemia. Ao contrário: eu presto a minha solidariedade, as minhas orações, a milhões de pessoas que perderam seus entes queridos ou que tiveram contato com essa doença.
Mas, o que fico pensando, pois, recentemente participei de um episódio de podcast do “Introvertendo” em que a gente dava relatos sobre a nossa vivência na quarentena é que não faz muito sentido pensar no mundo pós-covid 19. Claro que a gente vai ter esse mundo pós-crise inicial. Ao mesmo tempo, é um elemento novo que está no mundo e a gente tem que criar estratégias para lidar com isso. Tem um historiador que eu gosto mundo chamado Arnold Toynbee*, já falecido, que falava: “só nos momentos de crise é que surgem as pessoas de vanguarda”.
É interessante observar que os neurotípicos estão, mais do que convidados, sendo obrigados a fazer algo que os autistas já estão cansados de fazer no nosso dia a dia, que é criar vias alternativas para lidar com questões que para outras pessoas são simples. Por exemplo, as formas de comunicação à distância que são são muito utilizadas por pessoas com deficiência têm sido abordadas por pessoa sem deficiência por meio de plataformas como Skype, Zoom, Hangouts e outras nesse momento atual. Ao mesmo tempo, essa proliferação do vírus vem para perceber o que a gente tem que reestruturar e reinventar na nossa sociedade. Assim como o vírus, que começou em um ponto micro, na China, e se alastrou pelo mundo, talvez, porque o governo chinês não teve essa dimensão à época, é relevante que as soluções também partam do micro para o macro.
Tem muita gente sentindo solidão nesse tempo de quarentena, o que é normal, pois estamos isolados. Para proteger o outro, a gente tem que ficar separado. Mas, eu sempre penso que, o que importa, mais do que perceber essa quantidade de relações, da quantidade de vezes que eu beijo, que eu abraço uma pessoa, é perceber a qualidade dessas relações, criar um novo sistema com base nas relações entre as pessoas. Por exemplo, o ciclo social da gente se mantém. Eu tenho os meus amigos do budismo e estou mais em contato com eles agora na época da pandemia e do isolamento social do que antes, quando a gente estava, em tese, com maior possibilidade de nos vermos, mas também prejudicados por cada um na sua rotina, cada um no seu drama da vida diária.
Estou aproveitando a quarentena para ser mais produtivo. Inclusive, a reformulação do Mundo Autista veio disso. Outras questões, como a tradução dos meus livros para o inglês vieram disso. E também, para verificar a qualidade das relações com outras pessoas. Para que eu possa incentivar mutuamente essas pessoas e me conectar com elas. Eu espero que nós, cada um na sua área de atuação, siga os passos recomendados pela ciência, pelas organizações de saúde. Que a gente tenha essa prudência e que a gente não perca a fé: a espiritualidade, que nos faz crer em um mundo melhor.
*Arnold Joseph Toynbee (1889-1975) foi um historiador britânico. A obra Um Estudo de História (A Study of History) é o seu maior sucesso acadêmico.
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