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Autistas crescem

Selma Sueli Silva

Com o isolamento social, a vida não está fácil para ninguém, mas para pessoas com cérebro neurodivergente, a combinação de tantos fatores pode ser explosiva. Para o bem estar de todos que passamos por momento tão delicado, o melhor a fazer é, na iminência de qualquer estresse maior, procurar ajuda.

Os jovens autistas

A formação da personalidade de um autista adulto conta com vários fatores: tipo de terapia na infância, aprendizado adquirido em suas passagens pelo consultório, experiências na escola, acolhimento e convivência familiar e social entre tantos outros.

Você pode até pensar: ‘Mas não é assim com todas as pessoas?’ Sim, mas em relação aos autistas devemos observar duas variáveis: a intensidade e impacto do aprendizado com suas respectivas emoções e a rigidez cerebral a padronizar o aprendizado para facilitar a decodificação e suas consequências no relacionamento com o mundo.

Num primeiro momento a preocupação da família é com estímulos atrás de estímulos, o que é compreensível para aproveitar as janelas de oportunidades. Mas qual o impacto disso no cérebro neurodivergente? Atualmente, a neurociência – ciência que estuda o cérebro e o comportamento está em evidência. Entretanto, o educador nem sempre considera a necessidade de lidar com o comportamento do aluno. Dessa forma, de maneira geral, todos (profissionais da educação e da saúde) estão mais voltados para metas e resultados e acabam por não avaliar todo o processo. Muito provavelmente seja por isso que, mais tarde, tenhamos jovens autistas muito diferentes entre si, para além das diferenças naturais da individualidade.

Janelas de oportunidades

Para a psicopedagoga especializada em neuropsicologia, Adriana Foz em entrevista à Revista Educação, janela de oportunidades é “um conceito batizado pelos americanos. A janela de oportunidades é algo que se encerra. Se a visão de uma criança, por exemplo, não for estimulada entre os 0 e 4 anos, ela perderá a capacidade de enxergar. Isso é uma janela que se fecha, uma fase que não tem volta. Eu procuro destacar a diferença entre janelas de oportunidade e ‘períodos sensíveis”. Períodos sensíveis são os mais propícios para uma determinada aprendizagem, para o desenvolvimento de uma habilidade. Por exemplo: é muito melhor aprender jogar futebol antes dos dez anos, do que quando se tem 40 ou 50 anos. Antes dos dez anos é o período sensível para aprender a jogar futebol. Embora se possa aprender a jogá-lo com 100 anos, não se terá a mesma eficiência nessa idade.”

Erro médico e erro do educador

As pessoas tendem a desconsiderar a possibilidade da falha humana pelos médicos e justificam que é porque eles lidam com vidas. Explicam que o erro médico resulta na realidade de uma vida saudável ou comprometida ou até a morte. Mas não é assim com os educadores? Eles também não lidam com a formação de vidas que poderão ser valores ou transtornos para si e para a sociedade?

O lado positivo da pandemia

Foi preciso uma pandemia para voltarmos olhares mais sérios à importância da educação. Embora saibamos que nada substitui o contato humano, existem, na rede privada de ensino, professores que se reinventaram e estão dando um show nas aulas on line. Diferente do Ensino à Distância – EAD, onde o aluno se vira para aprender, essas aulas on line têm a figura do professor presente, com o aluno, em vídeos aulas, em tempo real. Esses educadores têm levado vida a muitos lares, quebrando a percepção de enclausuramento do distanciamento social.

Porém, muitos alunos autistas, não conseguem assimilar conteúdo por essa nova regra, por questões de rigidez cerebral, padrões já consolidados (escola é escola e casa é casa), ou pela falta do contato humano. Voltamos à preocupação primeira de todas as famílias: estímulos, estímulos e estímulos. Para o cérebro neurodivergente é preciso ficar atento ao custo/benefício do momento. Quando meu filho estava no fundamental II, as notas começaram a cair por causa da pressão da convivência social com seus pares. Fiquei bastante preocupada até perceber que, naquele momento, o aprendizado emocional estava acima de qualquer coisa. Meu filho poderia recuperar o conteúdo perdido que exigisse a atuação de sua capacidade cognitiva, mas não sobreviveria a emoções não trabalhadas em função da pressão social. Esse tipo de aferição deve ser feita por todo o processo da vida de pessoas com cérebro neurodivergente.

Professor, pesquisador, mediador

O professor, hoje, deve ser também pesquisador e mediador. A educação está cada vez mais transdisciplinar e isso exige estudo constante (mesmo caso dos médicos), para que tentemos diminuir nossa margem de erros.

Como mediador, o professor é o instrumental humano, com suas emoções e sua história de vida e é assim que ele fará a mediação da informação do conhecimento para o aluno. Qual é essa relação entre o ato de educar e qualquer outra prática, entre o professor e qualquer outro profissional? É preciso que esteja vinculada à própria práxis, conforme nos ensina Adriana Foz. O termo práxis costuma ser usado para fazer alusão ao processo pelo qual uma teoria passa a fazer parte da experiência vivida, sendo uma etapa necessária na construção de conhecimento válido.

Pedagogia e neurociência

Adriana nos lembra que, “a práxis pode, sim, se utilizar de outras ferramentas e de outros instrumentos e conhecimentos, a mesma relação entre a neurociência e o ensinar. O professor pode buscar informações nela para otimizar sua prática. Mas isso jamais vai substituir a pedagogia. Porque na neurociência não conseguimos recriar a ferramenta humana. Ela serve para instrumentalizar, para ajudar. Se você entende melhor o que está acontecendo no cérebro de uma criança, você pode mediar esse conhecimento para chegar até ela com mais facilidade.”

Mas a psicopedagoga alerta que a neurociência não consegue ver quando o aluno não está fazendo a tarefa porque está muito cansado. Já o professor pode ver isso, pode sistematizar, saber qual técnica usar naquele momento e, com sua criatividade, refazer condutas de ensino. O professor terá sempre a competência de poder escolher o momento de adequar a informação da neurociência. A grande questão é que não somos todos iguais. Temos nossas necessidades distintas ao longo da vida, nossas trajetórias, nossos desenvolvimentos e isso nos torna únicos. E como os alunos são únicos, e o professor também é único, há sempre acomodações e modelagens a serem feitas para que os objetivos sejam alcançados.

Autistas adultos e o distanciamento social

O adulto autista, que vive a quarentena, passa por uma série de comportamentos e de situações perturbadoras que depende de multifatores: recebeu o diagnóstico depois de adulto; está no ensino médio, graduação ou pós-graduação; está inserido no mercado de trabalho ou não; possui rede virtual de amigos; consegue manter as terapias à distância; está convivendo com mais pessoas em casa, diariamente; tende a se fechar em momentos de crise ou é estourado? Tudo isso deve ser levado em consideração nesse período pelo qual passamos. Não está fácil para ninguém, mas para pessoas com cérebro neurodivergente, a combinação de tantos fatores pode ser explosiva. Para o bem estar de todos que passamos por momento tão delicado, o melhor a fazer é, na iminência de qualquer estresse maior, procurar ajuda. Não é frescura do adulto autista e não há como lidar com isso da mesma forma que todos estão tentando lidar. Vamos ficar atentos aos nossos autistas adultos, sempre.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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