Hoje o tema é hiperfoco infantil no autismo. Tudo bem, há pouco a gente teve um conteúdo sobre o hiperfoco. Mas ele tinha como foco o interesse intenso que autistas podem desenvolver por outras pessoas. Inclusive, o vídeo teve uma repercussão muito surpreendente, de modo a mostrar a identificação das pessoas com o tema.
Interesses intensos e o hiperfoco infantil no autismo
Afinal, o hiperfoco é quase uma obsessão. Ou seja, é um interesse restrito, porém muito intenso, que os autistas manifestam sobre determinados assuntos. Esses temas podem variar. Assim, não são necessariamente aquele estereótipo que a gente tem na literatura. Ou seja, sobre trens, dinossauros ou aviões, por exemplo.
Aliás, o hiperfoco pode ser tanto por pessoas famosas quanto por livros ou filmes. Inclusive, todos esses foram hiperfocos meus. Então, à medida que a gente estuda sobre o autismo em mulheres, por exemplo, ou em outras populações que não são aquelas que geralmente a gente associa ao TEA, a gente vai descobrindo novas nuances de esse hiperfoco se manifestar. Mas, tem algo que perpassa todas essas populações, que são os hiperfocos infantis.
O que é o hiperfoco infantil no autismo?
O que eu quero dizer com infantil? È o caso de: Gente, o meu colega de trabalho, ele já tem, sei lá, quarenta, cinquenta anos, é diretor de uma multinacional e ele brinca com Pokémon. Assim, ele tem um Pokémon no escritório e chega em casa e vai assistir ao Bob Esponja. Tem alguma coisa errada na capacidade dessa pessoa?
Não, gente, não tem. Não necessariamente. Afinal, esse interesse, ainda mais quando a pessoa não tem uma intervenção que molde, de certa forma, o comportamento dela, ele costuma se manter. Claro que a gente muda de hiperfoco a vida toda, de temas, de assuntos de interesse. Porém, há alguns deles que ficam desde a infância.
Isso é algo lindo nos autistas idosos, por exemplo. Assim, para ilustrar a situação, vou citar minha avó Irene. Afinal, ela tem uma quedinha por sapos e gatos. E eu me lembro de um grande apartamento com cobertura que ela mantinha em Belo Horizonte. Lá, a decoração envolvia todos os enfeites possíveis e imagináveis de gatos. E quando acabaram as possibilidades de adereços de gato, ela acrescentou enfeites de sapos.
Autistas idosos e o interesse infantil
Então, eu me lembro que, quando criança, ir à casa da vovó Irene era estar em um mundo dos brinquedos de gatos e de sapos. Ou seja, da fantasia. Até tinha uma frase que eu usava: “Na casa da vovó eu posso mexer em tudo, tudo, tudinho?”. E elas falavam, minha mãe e minha avó, que lá eu poderia ter essa liberdade. Inclusive, eu me lembro que o computador dela era verde, por causa de sapo, e tinha um mouse de sapinho também. Assim, tudo seguia essa linha lúdica, quase que infantil mesmo, de uma fantasia voltada para a coleção dela.
E olha que eu estou falando de uma mulher que, à época, tinha por volta dos 60 ou 70 anos. Portanto, não era uma pessoa em que é comum encontrar esses interesses. Porém, também não era aquele estereótipo de idosa “Ah, voltou a ser criança!”, não. Por sinal, minha avó sempre teve um gênio forte e muita opinião. E até hoje, aos oitenta e um anos, ai da gente se não seguir essa forma, por vezes rígida, de ver o mundo. Mas é claro, ela vai argumentar, porque como toda boa autista, ela gosta da lógica. Então, se fizer sentido para ela, a vovó aceita os nossos posicionamentos, os nossos argumentos.
Não subestime um adulto autista
Porém, eu contei toda essa história para reforçar que, muitas vezes, a gente subestima um adulto autista por um interesse intenso considerado infantil. E, na realidade, é uma pessoa tão adulta como qualquer outra. Ou seja, com a capacidade de tomar decisões, de agir e de querer ter os seus posicionamentos respeitados. Então, tudo isso é muito importante. Claro que tem a questão da autonomia e outros aspectos que podem complexificar esse quadro. Mas é importante a gente ter essa ideia de que, por mais infantilizadas que as pessoas autistas possam parecer, elas são adultas.
Vídeo
Autora do Artigo
Sophia Mendonça é uma youtuber, podcaster, escritora e pesquisadora brasileira. Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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