Crítica: Pearl (2023) - O Mundo Autista
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Crítica: Pearl (2023)

É louco e perturbador o quanto Pearl, uma serial killer de filme de terror, se aproxima de vivências concretas das pessoas. Leia a crítica.

É louco e perturbador o quanto Pearl, uma serial killer de filme de terror, se aproxima de vivências concretas das pessoas. Leia a crítica.

Filmes de terror são usualmente muito divertidos e, em muitos casos, artisticamente instigantes. Isso porque o gênero oferece metodologias mais lùdicas e simbólicas para lidar com temas amplos e levar a reflexões diversas. Por isso mesmo, chega a ser frustrante a quantidade de filmes nesse estilo genéricos e voltados ao entretenimento simples e barato. Isso acontece mesmo que muitos deles sejam divertidos e funcionais.

O diretor Ti West, do eficiente slasher X – A Marca da Morte, tem uma carreira marcada pela ambição de se apropriar das convenções divertidas do horror para transformar em algo mais ambicioso e tematicamente relevante. Essas características ficam ainda mais evidentes em Pearl, segundo filme da trilogia que X iniciou. E que mostra como a personagem-titulo se tornou uma assassina. Tudo isso em uma atmosfera muito bem recriada de clàssico da Velha Guarda em Hollywood. Como aqueles produzidos entre os anos 1930 e 1960.

Sinopse do filme Pearl

Em 1918, a jovem Pearl (Mia Goth) está obcecada em se tornar famosa. Presa na fazenda isolada de sua família, ela se vê obrigada a cuidar de seu pai doente, e viver sob a vigilância constante de sua amarga e autoritária mãe devota. Desejando uma vida glamourosa como ela viu nos filmes, Pearl encontra suas ambições, tentações e repressões entrando em conflito. Nesta história da origem da icônica vilã de X, quando o sonho de ser finalmente uma estrela é negado a ela, ela começa a assassinar, até alcançar o que deseja.

O filme envolve pelo apuro técnico, ao trazer uma fotografia e uma direção de arte que equilibram o vemelho intenso e perigoso com uma eficiente reconstituição de época. E, principalmente, pela maneira como West e a protagonista Mia Goth, que também escreveram o roteiro, constroem a personagem principal. Dessa forma, Pearl mostra a interação entre fatores genéticos e ambientais para a construção da personalidade de uma mulher que è, ao mesmo tempo, uma assassina fria e alguém capaz de sentir as emoções com uma intensidade muito além do comum.

Resenha do filme Pearl

Assim, a mulher evidencia os efeitos de uma criação repressiva, que é capaz de dialogar com a experiência de várias outras mulheres. E, além disso, apresenta traços de transtornos psiquiátricos e de personalidade. Exemplos disso são a carência excessiva, o foco intenso em sonhos de grandeza, a dificuldade de autocontrole e a baixa tolerância à frustração.

Dessa forma, Pearl nos faz pensar na violência que as mulheres sofrem e, também, nas consequências disso quando a mulher não se encaixa nos ideais padronizados. A gente fica imaginando como ela poderia ser se tivesse algum suporte. Há uma cena, inclusive, na qual Pearl reage com medo e tristeza profundas ao se perceber diferente da normatividade.

Pearl, Ti West e Mia Goth

A atuação de Mia Goth é sempre intensa e os diálogos são maravilhosamente elaborados. Assim, a autenticidade patológica e descontrolada de Pearl dialoga com percepções e descobertas que são comuns às experiências de jovens mulheres, mas reprimidas socialmente. Por exemplo, receio terrível de ser mãe, a sensação de ingratidão ao marido e o autoquestiomamenfo sobre estar enlouquecendo.

É desse jeito que Ti West e Mia Goth nos convidam a pensar sobre o modo como as mulheres são criadas e, também, que criam outras mulheres. A dor e a frustração intergeracional, aliás, são responsáveis por alguns dos momentos mais fortes do filme. Por exemplo, ao trazer uma discussão pesada entre mãe e filha, que culmina em um acontecimento chocante.

Conclusão

Outro momento antológico é um monólogo em que Mia Goth brilha e do qual se pode extrair reflexões importantes. Então, é louco e perturbador o quanto Pearl, uma serial killer de filme de terror, se aproxima de vivências concretas das pessoas. Além disso, é interessante como Goth evoca uma forte empatia e sentimentos por um arquétipo de personagem que é quase sempre desumanizado. E o faz sem que Pearl, a mulher, melhore nem um pouco seus comportamentos.

Avaliação

Avaliação: 4.5 de 5.

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Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.

Atualmente, Sophia é youtuber dos canais “Mundo Autista” e “Filmes Para Sempre“, crítica de cinema no “Portal UAI” e no “Letterboxd” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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