A reinvenção de Pamela Anderson, que deu a volta por cima com A Última Showgirl, e a empatia de Gia Coppola como chave para essa ressurreição.
O filme “A Última Showgirl“, dirigido por Gia Coppola, é uma homenagem afetuosa e melancólica a uma Las Vegas em declínio. E, mais ainda, é um ode às mulheres que a construíram e não tiveram o merecido destaque. Nesse sentido, o grande trunfo da obra é a escolha cirúrgica de Pamela Anderson para o papel principal. Seu desempenho é uma acusação à indústria profunda e autêntica. Isso porque, em pequenos gestos, Pamela consegue redefinir a própria imagem como atriz. Por esse papel, ela foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática.
O longa-metragem, assim, funciona tanto como uma volta por cima quanto como uma reinvenção de uma atriz que sempre foi vista com desconfiança e preconceito em Hollywood. É que, embora fosse uma estrela, Pamela sempre foi mais reconhecida pela imagem objetificada e não por seus dotes artísticos. Apesar disso, ela construiu uma carreira icônica como comediante. Mesmo com papéis quase sempre pequenos e em produções de humor besteirol, que não costumam ser criticamente aclamadas.
Em “A Última Showgirl”, Pamela Anderson mostra toda a capacidade de vulnerabilidade e sensibilidade. Com isso, ela transmite as feridas emocionais da protagonista Shelly, seja em momentos de solidão ou compartilhando preocupações com sua amiga Annette (Jamie Lee Curtis). A atuação de Pamela é visceral e comovente, sem distanciamento da personagem. Shelly, apesar da situação sombria, irradia brilho e humor. E a vulnerabilidade da personagem a torna ainda mais impactante.
Shelly é uma showgirl veterana em Las Vegas que se sente um “dinossauro” em um cenário de entretenimento em transformação. Ela valoriza a história e a tradição de seu show, “Le Razzle Dazzle“, mas enfrenta a realidade de seu iminente fechamento. A notícia a leva ao pânico e à reflexão sobre sua identidade e o valor de suas escolhas de vida. A produção em que Shelly trabalha, um clássico show de revista, está perdendo espaço para atrações mais modernas. Para Shelly, cuja identidade está intrinsecamente ligada ao seu trabalho, o fim do show representa uma crise existencial.
Com apenas duas semanas até o encerramento, Shelly avalia suas opções em um cenário onde sua idade (57, embora tente aparentar menos) é um fator limitante. Ela tenta audições, mas enfrenta a dura realidade de um mercado que valoriza a juventude. Paralelamente, busca reconstruir o relacionamento com sua filha Hannah, a quem negligenciou em prol da carreira. O filme também explora a amizade de Shelly com Annette (Jamie Lee Curtis), uma ex-showgirl que agora trabalha como garçonete.
Dessa forma, “A Ùltima Showgirl” coloca em foco um tipo de mulher que, na antiga Hollywood, seria relegada a um papel secundário. Gia Coppola ama o brilho e a ostentação de Vegas, mas prioriza seus personagens. Com isso, m ostra a complexidade de Shelly e seu mundo, sem recorrer a uma jornada de autodescoberta clichê. Dessa forma, convida o espectador a enxergar a mulher que sempre esteve ali, por trás do brilho. A cineasta enquadra Anderson com empatia, tanto visualmente quanto narrativamente.
A direção de Gia, neta de Francis Ford Coppola e sobrinha de Sofia Coppola, utiliza uma estrutura narrativa fragmentada, uma fotografia em Super 16mm e uma trilha sonora nostálgica para enriquecer a atmosfera melancólica da história. O filme aborda temas como o envelhecimento na indústria do entretenimento, a busca por identidade além dos palcos e o impacto das escolhas de carreira nos relacionamentos pessoais. Além disso, a fotografia de Autumn Durald Arkapaw criam momentos externos reflexivos para Shelly
A obra também se sustenta por atuações fortes e generosas. Jamie Lee Curtis, por exemplo, se destaca como Annette, a amiga ex-dançarina de Shelly que agora trabalha como garçonete e luta contra o vício em jogos. Dave Bautista interpreta Eddie, o diretor de iluminação do show, um homem de coração grande com dificuldades em expressar seus sentimentos por Shelly. Kiernan Shipka e Brenda Song vivem jovens dançarinas que se ressentem da rejeição de Shelly ao papel maternal que tentam lhe impor. Jason Schwartzman interpreta um diretor cruel para quem Shelly precisa fazer um teste humilhante.
Dessa forma, “A Última Showgirl” aborda a história de azar e escolhas questionáveis com gentileza e apreço por seus personagens. Assim, explora os altos e baixos da idade e da beleza. Com isso, revela-se uma obra terna que captura o intangível e o efêmero da vida cotidiana, com suas intensidades dramáticas e momentos de silêncio significativos.
Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.
Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça.
“Inclusão Autêntica na Universidade: por que ser sujeito é mais importante que ser personagem” é…
“Professor Universitário Autista: Entrevista com o Professor Doutor Gustavo Rückert” é um vídeo do canal…
O Homem do Saco propõe que uma lenda feita para assustar crianças malcriadas pode não…
Sophia Mendonça anuncia livro de comédia romântica: "às vezes são as histórias mais leves que…
No dia 02 de abril, Dia Mundial do Autismo, completaram 9 meses que cheguei à…
É preciso pensar e falar sobre Diversidade e suicídio. Eu trabalhei durante 15 anos em…
Ver Comentários
Amei essa crítica. Do alto de minha idade, 60 anos, como comunicadora, jornalista, locutora, passei por situações que atestam a sensibilidade do filme. Ele descreveu, com maestria, muitos pontos em comum com minha própria trajetória de vida. Infelizmente!