O que o amor tem a ver com o autismo? - O Mundo Autista
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O que o amor tem a ver com o autismo?

O que o amor tem a ver com o autismo? Foto de vários corações pendurados no varal , em um painel, com destaque para um deles. Foto power point

Quando eu era mais jovem, meu contato com o amor romântico era o que eu via na ficção. Adorava filmes de romance. Principalmente, quando me identificava com a protagonista. Tinha crushes por atores famosos. Tudo como costuma acontecer com os adolescentes. Entretanto, eu não tinha coragem de chegar perto de nenhum garoto na vida real. E me perguntava o que o amor tem a ver com o autismo?

Na realidade, nessa fase, eram poucos os meninos com os quais eu conversava. Mesmo se tratando de amizade. Em geral, os rapazes tinham comportamentos muito diferentes de mim e das outras meninas. Assim, era mais difícil compreender seus gestos e atitudes.

A minha primeira paixão aconteceu aos 17 anos. Foi quando percebi a mistura de atração física e atração pela personalidade. No entanto, apesar de ser amiga do garoto, era um desafio entender seus interesses e senso de humor. Aliás, um desafio muito maior do que quando estava com minhas colegas do sexo feminino.

Amor no Espectro

A série da Netflix “Amor no Espectro” mostra que a maior parte das pessoas deseja encontrar seu par romântico. Certamente, com quem é autista não é diferente. Assim, a ideia de que não temos interesse em criar vínculos românticos é mito. Portanto, conscientes disso, familiares e profissionais se esforçam para aprender sobre a sexualidade e a afetividade no TEA.

Em entrevista à Revista Gama, a psicóloga e pesquisadora autista Dra. Táhcita Mizael observa que: primeiro, há uma dificuldade com o uso de ironias e metáforas comuns a relacionamentos. Além disso, autistas podem não conseguir evidenciar o interesse constante no parceiro. Ou seja, os jogos do flerte são desafiadores. É que eles envolvem habilidades de comunicação verbal e não verbal.

A arte de se relacionar

Amar e ser correspondida é uma experiência intensa. Vivenciar um romance nos tira de qualquer acomodação. Afinal, nos leva a sair da previsibilidade. Então, deixamos de ter o pensamento voltado apenas para os próprios desejos e necessidades. Dessa forma, é um convite à construção conjunta.

No caso de autistas, a experiência do amor ganha contornos ainda mais complexos. Para nós, já é desafiador entender, com clareza, os nossos sentimentos individuais. Imagina quando adicionamos uma outra pessoa ao nosso turbilhão bagunçado de emoções?

O doutor em Psicologia e autista Vicente Cassepp-Borges pondera, em artigo para “O Mundo Autista”: a hipersensibilidade é outro fator a ser considerado na relação entre amor e autismo. Portanto, autistas percebem e elaboram os sentimentos de maneira bem mais intensa que pessoas típicas. Logo, a instabilidade de um romance também, pode se manifestar intensamente.

Por isso, somente após os 20 anos de idade tentei alguns relacionamentos. A sensação de encontrar os “pretendentes” era esquisita demais. Sair com rapazes me deixava desconfortável. Por exemplo, parecia mais algo que eu precisava fazer porque todo mundo faz. E não uma possibilidade real de conhecer alguém com quem eu pudesse me envolver.

Assim, eu não tive nenhuma relação íntima durante a adolescência e início da vida adulta. Meu primeiro beijo, proposto por um amigo, só veio aos 22 anos. Embora sentisse atração pelo sexo masculino, cheguei a cogitar que eu fosse assexual. Tanto que o meu primeiro relacionamento com status de namoro se transformou em uma grande amizade.

Minha descoberta do amor

As relações que eu buscava me pareciam bem diferentes dos envolvimentos românticos mostrados nos filmes. As atitudes de muitos rapazes que se disseram interessados em mim, me fizeram mal. Sentia-me usada e enganada por eles. Na verdade, eu continuava a alimentar algumas paixões platônicas. Desse modo eu me conformava com a possibilidade de nunca ter um relacionamento sério.

Minha mãe dizia para eu não ficar ansiosa à espera de alguém. Ela usava a analogia de que, durante a enxurrada, os primeiros gravetos que aparecem são os mais frágeis. Os mais resistentes só aparecem depois. Da mesma forma, os primeiros homens que apareceram na minha vida, foram relações frágeis. Mas hoje, estou em um relacionamento com um homem maravilhoso. Ele me valoriza, me instiga a ser melhor e a construir uma nova história conjunta. Sem dúvida, isso é amor!

Sophia Mendonça olha para a câmera e sorri

Sophia Mendonça é bacharela em Jornalismo e escritora. É também mestranda em Comunicação Social e bolsista da FAPEMIG. Sophia é membro do Afetos, grupo de pesquisa em Comunicação, Acessibilidade e Vulnerabilidades. Foi diagnosticada autista aos 11 anos, em 2008.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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