O hiperfoco em pessoas é um assunto controverso na comunidade do autismo. Aliás, o hiperfoco em si é o interesse restrito e intenso por alguns temas específicos que as pessoas autistas têm. Porém, neste texto me proponho a direcionar o olhar para outra faceta desta característica. Ou seja, vou falar sobre um lado pouco explorado do hiperfoco.
Afinal, muitos seguidores apresentam dúvidas frequentes sobre o tema: esse hiperfoco, necessariamente, vai ser algo do dia a dia? Ou seja, vai estar ligado a assuntos cotidianos, como filmes e desenhos animados. Ou este conceito refere-se a interesses mais excêntricos, a exemplo de data de morte das pessoas ou outras noções estatísticas e peculiares? Contudo, o questionamento mais comum é: existe hiperfoco em pessoas. E a resposta que vem depois de um cruzamento de estudos e vivências pessoais e coletivas é que sim, ele existe e não é tão incomum quanto pode parecer em uma observação mais superficial dos critérios diagnósticos do autismo.
Portanto, o hiperfoco em pessoas é relativamente frequente em autistas. Inclusive, esse traço pode ser mal interpretado. Afinal, há casos em que o comportamento do autista se assemelha ao de um stalker ou perseguidor. Ou seja, a pessoa autista quer saber absolutamente tudo sobre aquele indivíduo que é alvo do seu interesse, de modo a não deixar lacunas ou brechas nas informações que colhe sobre ele.
É que, enquanto as pessoas neurotípicas tendem a procurar a troca de vivências e experiências em suas interações cotidianas, o que move o autista nessa relação não é necessariamente essa via de dupla. Então, em muitos casos, a pessoa com TEA que conhecer tudo sobre a pessoa do seu interesse sem que essa busca tenha uma finalidade específica.
Aliás, o hiperfoco em pessoas é uma característica que compartilho com outros autistas. Inclusive, ele pode se evidenciar de maneiras variadas. Por exemplo, eu tenho um interesse muito além do comum por celebridades que me inspiram e que guardo como referência. Então, posso citar como exemplos a CEO de uma empresa de tecnologia e atriz Angelica Ross e a cantora e também excelente atriz Lucy Hale. Portanto, estou sempre acompanhando e pesquisando o máximo possível sobre elas. Isso vai da vida pessoal e projetos profissionais a posicionamento político e religioso.
Porém, o hiperfoco em pessoas também pode aparecer nas interações cotidianas. Aliás, ele costuma a ter como direção quem a gente possui como referência. Por isso, pode ser o pai, a mãe ou marido ou a esposa. Mas os casos mais problemáticos são os que também envolvem interesses românticos. Por exemplo, eu conheço o caso de um seguidor que chegou a mudar o curso que ele fazia na faculdade por causa de determinada paixão não correspondida.
Aliás, este internauta passou por uma obsessão tão grande que queria copiar documentos dessa jovem. Afinal, ele desejava ter todo o controle sobre a vida da moça por quem que ele estava interessado. Isso pode parecer perigoso, e em alguns casos é de fato.
Então, a gente tem que dialogar com a pessoa autista sobre até que ponto esse hiperfoco deve ser incentivado. Afinal, em alguns casos, pode ser um comportamento inadequado e até abusivo e assedioso. Já em outros movimentos, o hiperfoco em pessoas é um forte aliado na compreensão das relações pessoais e profissionais.
Sophia Mendonça é uma youtuber, podcaster, escritora e pesquisadora brasileira. Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+.
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Olá, sou miguel, um autista de 22 anos.
Isso explica muita coisa... eu pensava que eu era uma pessoa ruim por agir como um stalker quando minha namorada terminou comigo. Eu pensava que eu era aquelas pessoas nojentas e desprezíveis que não passavam de maníacos. Eu recentemente passei por outro término de relacionamento, onde fui acusado de ser "dependente amoroso" e agora lendo isso, sabendo que a culpa não é minha, estou chorando copiosamente em uma crise.
Eu não queria ser desse jeito, eu não queria nascer assim... ser autista é a pior coisa da minha vida e ainda tem gente que acha fofo
Miguel, eu super entendo você. O que é ruim, não é ser autista. É não saber como a gente funciona. Como nosso cérebro é diferente, é neurodivergente, temos de treinar algumas habilidades sociais. Depois vira hábito. Podemos treinar com psicólogos. O autoconhecimento nos liberta. Que você tenha mais sorte da próxima vez. Conte com a gente, aqui, no Mundo Autista.
Será possível a mãe ser um hiperfoco do filho?
Meu filho tem 4 anos e de uns meses para cá ele só quer dormir comigo, acorda aos prantos se não me acha na cama, não deixa eu sair sem ele, não entra na escola de jeito algum, quer que eu fique com ele lá, até dentro de casa ele me acompanha o tempo todo , até dentro do banheiro ele não me deixa ficar só
Fernanda, é possível sim. Mas não creio que seja este o caso. O que me parece é que seu filho a elegeu como figura central e porto seguro para ele. Aconteceu comigo tb. Aos poucos, fui mostrando para Sophia que havia outros adultos nos quais ela poderia confiar. E, até hoje, ela é mais ligada a mim, ao pai e à avó dela. Entretanto, em cada fase e ambiente, elege uma pessoa como suporte, tipo um ponto de referência. Eu tb fiz isso, mesmo desconhecendo meu diagnóstico. Tive sempre uma pessoa de amparo e suporte. Abraço!
Minha filha de 12 sempre foi muito solícita, com pessoas especiais, pessoas idosas, bebês etc. Ela é atenciosa e gosta de ajudar. Agora sofre muito porque o colega de classe escolar, autista, fez dela hiperfoco e por isso ela foi afastada dos amigos sendo trocada de sala. O menino chorava, escrevia cartas e a perseguia pois ela o tratava bem e o ajudava quando necessário ( as demais crianças se afastam dele). Hoje minha filha anda cabisbaixa e fala que nunca mais vai ajudar alguém. Está extremamente decepcionada e triste por trocarem ela de sala por causa dele. O menino melhorou e ela está muito mal. Qual seu ponto de vista? .. se ele fizer isso com outra criança devem tirar a mesma de perto dele? Não estamos falando de uma infraestrutura a ser adaptada e sim de outra criança (no caso minha filha) que inclusive também tem suas questões psicológicas a serem tratadas (dificuldade em socializar, por exemplo... decorrente de abuso sexual - e ela estava fazendo amigos na sala em que estava. Agora fica sozinha no recreio e muitas vezes faz trabalhos sozinha). Acabo concordando com ela em se afastar de autistas e orientaria, se possível, a todos que não dêem muita atenção porque pode trazer este tipo de situação. Sofre o autista, eu entendo, mas a pessoa perseguida também.
Olá, Jason. Somos mãe (eu) e filha (Sophia) autistas. Eu estudo o assunto, como autodidata, desde 2015. Além disso, montamos esse espaço, como jornalistas para buscar informações confiáveis e compartilhar vivências. Quando desejamos aprofundar algum tema, nós entrevistamos os especialistas da área. (Selma Sueli Silva)
(Sophia Silva de Mendonça): Esse texto tem como fundamento uma série de pesquisas qualitativas em andamento, realizadas com inspiração etnográfica. Penso que o debate sobre bibliografias deva ser feito no ambiente acadêmico para não incorrer em análises levianas ou superficiais de temas científicos.