Família

Ideal de maternidade perfeita e o peso do capacitismo.

Existe a construção do capacitismo materno por toda a vida e ele é alimentado pela idealização da maternidade perfeita.

Em primeiro lugar, quando engravidamos existe um mundo inteiro criado de planejamento, planos e expectativas. Desse modo, desenhamos um futuro deslumbrante para nossas crias, imaginamos seu rosto e qual será a escola que irá estudar, a faculdade que irá escolher, as preocupações que irão surgir com os primeiros amigos e até com seu futuro casamento.

Nós idealizamos e é algo natural por mais ‘pé no chão’ que tentamos ser. Existe um mundo lá fora e queremos a aceitação de nossos filhos por ele. E, a conquista da aceitação acontece quando conseguimos atingir uma perfeição pré-estabelecida pela sociedade.

Mas esse mesmo “padrão” é o que nos confronta diante de um diagnóstico inesperado. Nós precisamos desconstruir todas as concepções. Ou seja, descontruir as ideias que nos ensinam ao longo de nossas vidas.

A maternidade não é perfeita. E o peso do capacitismo é real.

Uma vez eu li a seguinte afirmação: “ninguém quer pensar que pode ter um filho com alguma deficiência”. Ou seja, a hipótese de se ter um filho com alguma especificidade nunca é naturalizada: seja no curso pré-natal, seja no seio familiar ou na sociedade. A deficiência também é uma condição que pode acontecer ao longo da vida. Por isso mesmo, devemos pensar sobre essa possibilidade. Assim, não podemos lidar com a deficiência como ela como a culpada pelo fim de nossas idealizações maternas ou de uma vida plena.

Então, nos defrontamos com o peso do nosso capacitismo. Assim como com o medo de nossos filhos serem inadequados. Além do nosso desespero diante da possibilidade deles não alcançarem suas potencialidades. Diante de um papel com um CID – Código Internacional de Doenças, o complexo não é lidar com a informação. Mas sim, com a ruína de nossas projeções. Aliás, tudo por conta da falta da convivência com o diverso, de compreensão e com o fim da nossa própria crença do que seria uma ‘criança perfeita’.

Não ao fim da inclusão nas escolas regulares

Há algumas semanas eu estava imersa, junto com o meu Movimento Social, na luta pela extinção da PL 10.502/21. Esse Projeto de Lei trata da volta das Escolas Especializadas. Consequentemente, com o fim da inclusão nas escolas regulares. Nosso posicionamento foi contrári o. Mesmo com todas as dificuldades, a inclusão ainda é o único caminho para que pessoas com deficiência possam ter seus direitos de cidadania garantidos.

Dessa forma, ao ser apartadas dos demais, a pessoa com deficiência corre um risco maior de ser abandonada. Além de ser privadas de seus direitos e, assim, percam direitos adquiridos, autonomia e representatividade. Um verdadeiro retrocesso com tudo aquilo que foi feito até aqui. Não se trata de educar a sociedade apenas. Mas de possibilitar a naturalização da convivência com o diverso.

É preciso mudar a visão sobre a maternidade perfeita e o peso do capacitismo

Desta forma, é preciso, também, mudar a visão das mulheres sobre ter um filho com deficiência. E resgatar o olhar para o indivíduo e não somente para a sua deficiência. E ainda, parar de ver pessoas pelo ângulo do capacitismo padece de uma ação de conscientização social. Contudo, ela só surge a partir da familiaridade e empatia. Seja nas escolas, nas empresas, nos espaços e mesmo em casa.

Receber um diagnóstico em um dia não é capaz de mudar anos de um capacitismo estrutural. Por isso, é compreensível a surpresa, a demora em aceitar, e até o que é denominado “luto materno” que algumas mulheres sentem diante da notícia. Também não é nossa culpa querer superproteger nosso filho em um mundo que diz que ser mãe é nosso maior papel. Que você não pode falhar nunca. E que usa a culpacomo o principal instrumento de repressão e subordinação, para medir sua capacidade e valor no trato materno.

A maternidade somente

Temos uma visão da maternidade distorcida, até competitiva. E ela é forjada em uma realidade que não atende a todas nós. E mais que isso, perpetua o machismo que protege e justifica o homem que abandona um filho com deficiência. Porém, não assegura à mulher apoio econômico e acompanhamento psicológico para possibilitar uma vida de qualidade para ela e a criança .

Enquanto ignorarmos o tóxico que é vender o maternar como algo que deve ser primoroso e sem falhas, estaremos alicerçando a estrutura do capacitismo. A vida real não é inalterável. O ser humano não é imutável. E as mães não são seres celestiais, desprovidas de preconceitos e incansáveis.

Se queremos legitimar uma maternidade real, precisamos enaltecer maternidades plurais e diversas. Além de humanizar as mães que a compõem. Não iremos romper as estruturas se reforçarmos os mesmos comportamentos que tanto nos silenciam e nos isolam. Não criamos o capacitismo, mas não poderemos combatê-lo diante de um mundo que idealiza e se aprisiona em padrões.

Gabriela Guedes é mãe atípica do Gael, um menino autista de 05 anos, jornalista e comunicóloga, ativista e criadora de conteúdo. Idealizadora do Movimento Vidas Negras Importam e autora da página e do Blog: Mãe Atípica Preta.

Mundo Autista

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