E a história da menina Irene continua. Parte 3: Depois de nossa ida para a cidade, novas descobertas se descortinaram. Não podia acreditar. Eu, finalmente, iria conhecer a escola. Parecia a história de uma princesa que começava assim: Era uma vez uma escola em 1946. Aliás, minha primeira escola. Nessa época. não havia pré-escola. Entrávamos, diretamente, no grupo escolar. Ali, eu dei o primeiro passo, no estudo, embora nem soubesse o que seria a tal faculdade.
Assim, com um misto de medo e de curiosidade, lá fui eu para minha primeira aventura fora de casa. Eu estava estranha. As coisas ficaram um tanto confusas em minha mente. Então, nem me lembro como cheguei à escola. Muitos menos, quem me levou ou como fui recebida no primeiro dia. Mas, a partir daí, o que senti foi uma sensação de plenitude.
Mal podia esperar. Eu ia aprender muitas coisas. E isso, me fazia sentir muito importante! Embora mais tarde eu me formasse como professora, não me recordo de qual método foi usado para minha alfabetização. Talvez pelo motivo exposto por Paulo Freire, em 1986, ao explicar porquê não gostava das cartilhas:
As cartilhas apresentavam palavras e frases sem nenhuma pesquisa sobre o vocabulário dos educandos.
Entretanto, acredito que naquele pedacinho do Brasil, o único método adotado era o do carinho. Certamente era esse, pois o efeito foi imediato. Antes dos sete anos eu já sabia ler.
Na ânsia de mostrar o meu saber, me meti em uma situação vergonhosa. E justo quando passeava com minha tia-madrinha. Tínhamos saído para irmos à igreja. Minha tia com o namorado e eu. (Naquela época era assim). Os dois eram muito tímidos. Eu ia pela rua, observando tudo.
De repente, vi um grande cartaz. O maior de todos os tempos. Quando me dei conta, estava lendo a plenos pulmões: “Use a Pomada Midy para acabar com as he-mor-roí-das!” Soletrei empolgada, de uma vez só. Respirei fundo. Soou como um palavrão!
Tarde demais, lembrei-me de um tio que tinha o tal “problema”. Não se podia falar isso em público. Tal proeza me custou um enorme beliscão de “caaala a boca”. Mas sei que, bem lá no fundo, os adultos ficaram orgulhosos de mim. Era verdade, eu sabia ler.
Eu sentia enorme alegria no convívio com os coleguinhas. Afinal, me sentia como se tivesse ganhado uma segunda família. E além de tudo, ainda tinha a Dona Nicodêmia. Era uma professora meiga e amorosa, além de muitos irmãozinhos. Era uma festa só.
O auge da felicidade era quando descíamos para o jardim. Desenhávamos lindos canteiros margeados por pequenos arbustos roxos-avermelhados. Eu, claro, sentia enorme entusiasmo a cada folhinha que despontava. Essa era nossa obra de arte. Feita com as nossas próprias mãos.
Foi nessa época, que aprendi a respeitar os sapos. D. Nicodêmia explicou a sua importância. São os sapos que nos protegem do ataque de insetos nocivos. A poesia, O Sapo, de Afonso Lopes Vieira, diz em um de seus versos:
Não há jardineiro assim,
Não há hortelão melhor
Para uma horta ou jardim,
Para os tratar com amor.
Ainda nesse mesmo ano, nos mudamos para Belo Horizonte. Aí sim, uma nova escola. Ela era enorme. Mas nem cheguei a ter memória dela. Logo nos mudamos, novamente, e lá fui eu para outra escola. Tudo bem, eu amava as oportunidades que a vida nos dá. Novo ambiente físico, que para mim parecia gigantesco. E, ainda, uma nova professora. Além disso, o melhor da festa. Muitos meninos e meninas!
Nessa escola, permaneci até o quarto ano. Foram 3 anos de muito aprendizado. Era um ensino muito abrangente. Assim, fui preparada para deixar o grupo escolar do meu bairro e partir para etapa seguinte. Dessa maneira, conheci um grande colégio. Bem no centro da Capital. Então, fiz algo inusitado. Eu ia de “bonde” para o Colégio. Esse era o meio de transporte daquela época. Contudo, minhas filhas nem chegaram a conhecer os bondes. Mas era tudo muito bom, muito rápido e dinâmico.
Ali tive o meu primeiro contato com o mundo da diferença social. Era um colégio particular e, por minha própria iniciativa, fiz um teste e consegui bolsa integral. A bolsa valia para todo o curso do “ginásio”. Era assim que se chamavam os cursos fundamental I e II, à época. Mas isso somente, se eu não perdesse nenhum ano. E eu não perdi.
Pela primeira vez, eu faria várias matérias. Além disso, teria aulas de música, inglês, francês, desenho, entre outras. Para mim, estudar tudo isso era um luxo só. As aulas de ginástica eram no pátio. Todas as classes femininas reunidas. Era um grande acontecimento. Nossas aulas eram direcionadas apenas pela mudança dos acordes de um piano. Ora usávamos arco, ora massa, ora fita, ora bola. Era um espetáculo digno de uma plateia.
Entretanto, a biblioteca era o meu recanto preferido. Imaginem: toda sabedoria estava ali, bem guardada. Mas eu gostava mesmo era de ler os romances. Foi assim que eu adquiri o hábito da leitura.
Desse modo, os anos transcorreram cheios de vida e de traquinagem. Durante esse tempo, eu fui me tornando uma mocinha. Após a oitava série, hoje nono ano, tive uma formatura dos sonhos. Vestido de gala, missa comemorativa e até baile.
Depois disso, fiz uma pausa entre mim e a escola. Eram outros tempos. Namorei, casei, tive três filhas. Mas o estudo era, também, uma paixão. Então, muitos anos depois, fiz as pazes com a escola e parti rumo à faculdade. Contudo, essa historia fica para o próximo texto.
Irene Maria da Silva é procuradora aposentada. Mãe de 3 filhas, tem 5 netos e 1 bisneta. É também educadora e advogada.
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