Direitos das pessoas com deficiência, do ativismo às políticas públicas - O Mundo Autista
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Direitos das pessoas com deficiência, do ativismo às políticas públicas

Selma Sueli Silva e Andréa Werner

Você sabe o que é Democracia representativa? Andréa Werner fala sobre a importância em escolher políticos comprometidos com as demandas da sociedade.

Selma Sueli Silva: A gente vem falando da jornalista, mulher, das descobertas da Andréa, da profissional vinculada à uma empresa, da profissional que veio depois, do contato com os seus seguidores e que hoje é digital influencer do bem. Depois de tudo isso, veio a Andréa na política. Todo mundo reclama da política, mas a gente tem que conversar sobre isso para a gente entender.

Andréa, imagino que o universo político seja uma loucura, porque no meu trabalho como comunicadora, a única vez que eu me vi insistindo em algo que não era para mim, mas mesmo assim eu insisti por causa do desafio, foi quando eu fui assessora no Legislativo. A vida do assessor legislativo é muito agitada. Essa foi a minha grande descoberta, porque era uma coisa que eu não imaginava. Todas as atividades de um assessor são imediatas. Trabalhei por dois anos e não me adaptei. Andréa, quais foram as suas descobertas nesse campo? Vocês reformulou conceitos ou os reafirmou?

Andréa Werner: As pessoas estão despolitizadas e a gente está em um país que é pobre, onde a metade da população ganha até R$ 420,00 por mês. Para muitas dessas pessoas, o Estado não é presente. Para essas pessoas, o Estado só é presente quando a polícia aparece lá e quebra a porta da casa. O Estado só está presente para essas pessoas através da força e esse é um dos motivos para que elas não tenham tanta noção assim sobre democracia representativa. Por isso, é muito importante termos uma democracia representativa. Hoje existe essa polarização entre esquerda e direita. Eu sou super a favor de que as pessoas votem em quem elas quiserem, de fato, com certeza e convicção, mas que elas entendam plenamente o que significa votar naquela pessoa.

Eu tenho ido muito a Brasília. Esse ano já tivemos muitos embates. Teve um projeto de Lei do Paulo Guedes em que ele ia, praticamente, sucatear as cotas para as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, (PL 6159/19)*. Com isso, muitas mães ativistas foram lá conversar com os deputados para tentar que eles não votassem a favor disso. Teve mãe que entrou em gabinete de deputado e saiu chorando, porque o deputado apoiava o projeto e falava que basta que a pessoa com deficiência se esforce que ela vai conseguir emprego como qualquer outra e não precisa de cotas. As pessoas tem que entender o que é isso. Se elas estão votando em alguém que é a favor da meritocracia, que é o nome que se dá para isso de que pelos esforços você consegue naturalmente as coisas. Esse alguém vai realmente ajudar as pessoas com deficiência com a inserção delas no mercado de trabalho e outras políticas afirmativas que a gente já conquistou? O que eu quero é isso, que essas pessoas entendam o que vem com o pacote do candidato com esse tipo de ideologia, de mentalidade. Se você concorda, aí sim, vote feliz.

Selma Sueli Silva: Você falou uma coisa interessante. Uma vez, eu estava em uma roda de conversa, em uma rádio em que trabalhei aqui em BH. Nesse dia, durante o debate, o apresentador me perguntou em alusão a uma manifestação do MST (Movimento dos Sem Terra): “Selma, pensando nesses movimentos, existe ainda o Movimento dos Sem Teto, você já recebeu alguma coisa de graça na sua vida?”. Eu disse: “Não. Tudo foi com muito sacrifício”. O apresentador continuou: “Então você nunca ganhou uma casa?”. E eu: “Não, nunca”. Ele completou: “O que que você acha então, Selma, com toda a sua história, sua origem de Comunidade e mesmo assim você venceu, o que que você acha dessas pessoas que fazem para ter, por exemplo, uma casa de graça?”. Eu respondi: “Olha, eu não me sinto à vontade para se está certo ou errado, apesar de sempre ter lutado muito por minhas conquistas. Isso porque eu recebi algo que foi fundamental para mim: educação em escola pública de qualidade. No meu grupo escolar, tinha dentista e médico. Isso me deu aporte para conseguir o que eu queria. Sou muito grata a esse ensino público que eu recebi, porque foi ele que possibilitou a minha transformação de vida.

Agora, como é que eu posso apontar o dedo para essas pessoas sabendo que elas hoje não tem educação de qualidade, não tem saúde? Sinto muito, mas eu não posso fazer esse julgamento”. Eu falei exatamente o contrário do que o apresentador queria ouvir. Mas é real, nós temos que levar em conta o contexto de como as pessoas vivem. Como você, que morou na Suécia. Lá as pessoas recebem de volta o que pagam de impostos. Aqui, no Brasil, numa entrevista de emprego, entre dois candidatos muito bons, um autista e o outro não, quem você acha que será selecionado?

Andréa Werner: A gente não pode tomar a exceção como regra. “Ah, mas fulano batalhou muito, hoje é juiz e é negro”. Ele é uma exceção, a gente não pode transformar exceção em regra. Lembrando que a gente vive em um país pobre e que até o pobre paga imposto e a pessoa não se toca disso, porque não vem descontado na folha de pagamento. Mas os maiores impostos no Brasil são cobrados sobre o consumo de mercadorias e serviços. Assim, até os pobres pagam muitos impostos, que vão para o Estado e o que o Estado faz com isso para devolver à população o imposto pago? A ideia dos impostos é que eles sejam devolvidos em forma de serviços para a população, lazer, saúde, educação. Se até os pobres pagam impostos, onde estão esses benefícios que eles não têm? Não dá para ter essa mentalidade, o Estado existe justamente para fazer o bem para a sociedade. Organizar para que tudo funcione bem. Se algo não está funcionando direito, é preciso ver o porquê e não sair falando que a pessoa é pobre porque ela quer, se ela se esforçasse mais ela sairia dessa. Não é por aí.

Selma Sueli Silva: Ser ativista no Brasil é fácil? É o que a gente vai saber no próximo programa, daqui a 15 dias. Até lá!

*Projeto de Lei 6515/2019- altera as políticas de habilitação e reabilitação profissional e as medidas de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Apresentado pelo ministro da economia, Paulo Guedes, em 2019, sua intenção é, até 2022, promover a reabilitação física e profissional de um milhão de pessoas que recebem o auxílio-doença. Na prática, isso significa que pessoas com deficiência terão que assumir postos de trabalho com pessoas sem deficiência, o que é contestado pelos movimentos sociais e setores da sociedade por promover a meritocracia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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