Direitos da pessoa com deficiência durante a pandemia - O Mundo Autista
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Direitos da pessoa com deficiência durante a pandemia

Victor Mendonça e Luís Renato Arêas

Você sabia que com um laudo médico, o seu filho autista ou com outra deficiência não é obrigado a usar a máscara? E que, neste momento de pandemia, a pessoa com deficiência pode receber o atendimento hospitalar em casa, mesmo sendo usuário do SUS? Doutor Renato explica a respeito.

Victor Mendonça: Uma questão que tem me preocupado muito, que tenho compartilhado com as famílias, é a questão dos direitos da pessoa com deficiência e os reflexos da pandemia para elas.

Dr Renato e Victor durante a gravação do programa Mundo Autista

Dr Luís Renato Arêas: É importante que se fale sobre isso, com relação a saúde, onde várias pessoas com deficiência são grupos de risco frente ao coronavírus e deve ter todo um cuidado para preservar a saúde dessas pessoas e das demais também. O próprio autista está no grupo de risco, mesmo não sendo uma deficiência aparente. Então, a gente tem que tomar todo esse cuidado.

A rede pública de saúde ou privada tem de tomar vários cuidados em relação a certos protocolos. Hoje, há a prioridade no atendimento da pessoa com deficiência não só na saúde, mas também em outros campos. Vamos nos ater na questão da saúde neste primeiro momento. Está lá estipulado no artigo nono, da Lei Brasileira de Inclusão, relembrando a lei 13.149, de 2015, que estipula a prioridade no atendimento a qualquer pessoa com deficiência. Aqui, trago uma questão pessoal ligada ao autismo. Eu tenho um filho autista e ele tem uma dificuldade sensorial muito grande de colocar máscara. Por mais que o pai e a mãe estejam do lado, ou algum outro parente ou algum outro amigo, ocorre, em uma fração de segundo, de ele levar objetos na boca. A prioridade de atendimento na saúde, neste momento, se tornou mais essencial em casos assim. Neste caso, podemos fazer os agendamentos, tanto nos hospitais públicos ou nos privados, explicando a situação, que é um grupo de risco para a criança autista por causa desta questão sensorial. Por isso, o agendamento é prudente para marcar horários para que a pessoa seja atendida de forma imediata e nem passe por alguns protocolos prévios. E claro, a prioridade na triagem, por causa da vulnerabilidade da pessoa com deficiência, pois ela está sujeita a pegar o vírus, e de replicar de forma maior em outras pessoas.

E, um outro ponto importante de se dizer também, Victor, é a questão do acompanhante, como está estipulado no artigo 22, também na Lei Brasileira de Inclusão. Esse acompanhante que fará um acompanhamento diferenciado, pois ele precisa estar ao lado da pessoa com deficiência exatamente pelas suas necessidades especiais. Como pai de autista, se eu precisar de algum procedimento médico para o meu filho, exatamente por esse vínculo familiar que eu tenho com ele, é imprescindível que eu esteja ao lado dele. Por mais que se coloque outra pessoa, o gatilho para a crises emocionais é muito grande pelo fato de não estar com uma pessoa que ele não tenha confiança. Neste momento de pandemia, já ocorreram várias recomendações, inclusive da Defensoria Pública, da comissão que sou coordenador adjunto da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), das quais faço parte, além de vários colegas, em vários estados, que emitiram recomendações aos governos dos estados, aos municípios para que seja respeitada essa necessidade de ter o acompanhante, mesmo em caso de internação.

Agora, em casos muito graves, em que o acompanhante não precisa estar, não tenha como estar, o hospital deve designar alguém capacitado de acordo com cada deficiência, para exercer esses cuidados. Não adianta colocar um enfermeiro, uma pessoa que não entenda de autismo porque a pessoa não vai saber lidar com os comportamentos dessa quebra do elo com o seu acompanhante. Nesses casos extremos, o hospital tem que se virar, nem que coloque em um leito separado e deixe o acompanhante junto com ele, para preservar, também, os demais pacientes. São direitos que precisam ser ponderados, pois o acompanhante é uma necessidade de saúde, nestes casos.

Avançando um pouco mais, nós temos a necessidade de ter o atendimento domiciliar da pessoa com deficiência. Isso está previsto no artigo 18 da Lei Brasileira de Inclusão, ainda mais neste momento de pandemia. Se houver a necessidade, uma equipe médica deverá ir até a casa da pessoa com deficiência. Isso resolve uma série de problemas, inclusive a questão do acompanhante. É importante esclarecer que esse direito, depende da gravidade do quadro. Vamos supor que seja uma avaliação médica ou que seja a continuidade das terapias, no caso do autismo e de muitas outras deficiências, onde se tem a terapia ocupacional, fonoaudiologia entre outras. É direito dessa pessoa exercer esse atendimento domiciliar médico e de outros profissionais da saúde também. A maioria das pessoas pode até pensar: “Ele está falando de algo difícil de acontecer no Brasil”. Concordo, nós temos uma dificuldade enorme em preservar o atendimento presencial da pessoa com deficiência, ainda mais o atendimento domiciliar. Mas eu acredito que assim que as pessoas começam a saber dos seus direitos, elas têm a possibilidade de cobrar para transformar a letra fria da lei em uma aplicabilidade prática. E, o momento de pandemia, é um momento que justifica a atuação do médico domiciliar, como está na previsão na Lei, desde 2015, pois a lei entrou em vigência em 2016 e nós já estamos em 2020. Então, é a partir da conscientização das pessoas que teremos a possibilidade de ver as coisas se modificarem.

E por último, como eu já citei, a dificuldade de se usar a máscara por uma questão sensorial. Não é que o autista não queira e o pai possa interferir e corrigir essa atitude. Não. É uma particularidade do autista, uma característica dele e não é algo negociado, vamos dizer assim.

Nós temos recentemente, a Lei nº 14.019/2020, que no seu artigo 3a, no parágrafo sétimo, onde há uma dispensa específica, no caso do autismo, no uso da máscara, dependendo apenas declaração do médico. Essa declaração pode ser enviada até de forma individual, por meio eletrônico. Se a pessoa mora em prédio, em condomínio, ela pode estar sujeita à aplicação de multa se a criança não tiver com máscara. Por isso, é preciso que as pessoas estejam informadas de que, neste caso do autismo, a máscara é dispensável, em espaços públicos ou privados. Por exemplo: o meu filho está fazendo equoterapia. No lugar em que ele está fazendo, é exigido o uso da máscara e ele não consegue usar. Dessa forma, eu expliquei o caso dele e apresentei a declaração do médico e está tudo certo agora. E é bom que se diga que não se trata somente de usar a máscara, cada lugar em que ele está tem que criar mecanismos para proteger essa pessoa com deficiência, no caso do autismo, que às vezes pode ter essa dificuldade sensorial da máscara, mas também deve proteger as outras pessoas. Você tem que criar mecanismos, ter um certo distanciamento ou um certo isolamento das pessoas nestes locais. A gente tem que usar muito o bom senso para que possa ser preservado tanto a saúde da pessoa com autismo com dificuldade sensorial, como também a saúde da coletividade, que vai conviver com alguém que não está usando máscara naquele momento. Eu, como familiar e pai de uma criança com autismo, redobro os cuidados durante a pandemia exatamente porque a gente sabe que é um risco tanto individual, para meu filho autista como também para o coletivo.

Victor Mendonça: Doutor, você falou coisas muito pertinentes que esbarram nessa conscientização que a sociedade em geral precisa ter. Essa questão sensorial, por exemplo, ela entrou como critério de diagnóstico para o autismo no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da 5.ª edição (DSM-5) e não é frescura. Não é porque a pessoa não queira usar a máscara, como você bem pontuou, é porque a pessoa realmente tem um transtorno, uma dificuldade maior nesse aspecto. Isso afeta muito as crianças. Mas, no adulto, eu achei muito interessante essa questão do atendimento. Todo mundo diz que tem pavor de hospital, ninguém gosta de hospital. No meu caso, tenho experiências muito traumáticas e uma dessas foi que eu fiquei sem a companhia de minha mãe, não tinha psiquiatra especializado no hospital para me atender durante uma certa dificuldade que eu passei, e eu ali, entregue a uma situação difícil de lidar. Se na criança as questões sensoriais, de dificuldade, geram crise e tudo, no adulto é importante lembrar, pode haver uma crise também, o que a gente não quer que aconteça em nenhum hospital. Portanto, é melhor prevenir para evitar esses desgastes. Se você quer ficar sabendo mais sobre os direitos das pessoas com deficiência, continue nos acompanhando.

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