Desafios da mulher em constante evolução: trabalho, filho, aposentadoria, projetos - O Mundo Autista
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Desafios da mulher em constante evolução: trabalho, filho, aposentadoria, projetos

Selma Sueli Silva

Hoje eu resolvi fazer um programa sobre os desafios da mulher moderna. Muita gente fala que a vida passa rápido. Quando você está na idade em que eu estou, é quase comum as pessoas pensarem que “a vida passou num segundo”. Ocorre que a gente esquece o quão intensamente viveu, as coisas que fez. E nesse fascinante mundo do autismo, depois do meu diagnóstico, eu tive que repensar tanta coisa, e fui me lembrando.

Primeiro: quando a gente é criança, tem a fase de separação da família, ir para a escola, estudar e se formar. Todo jovem, quando está quase formando, tem um apertinho no coração e pensa assim: “nossa, eu não sou mais estudante, eu tenho de ser profissional.” Dá um medo danado. Isto aconteceu comigo também. Mas as coisas acabam se encaixando e de repente você está trabalhando assim ou assado.

Eu me lembro do meu primeiro emprego de carteira assinada, sem contar os estágios. Um dia, negociando, eu disse: “Não quero receber isso fora da carteira. E a minha aposentadoria?”. Eu não sabia direito como funciona a aposentadoria. Mas eu tinha aprendido que a carteira de trabalho era muito importante para a gente se aposentar e que o meu empregador já estava querendo fazer alguma coisa fora da carteira de trabalho.

No início de 2018 eu me aposentei. Olhei para trás e me perguntei: como eu consegui estudar, trabalhar, ter o Victor, manter a qualidade do nosso relacionamento, ficar de olhos bem atentos a ele, fazendo compras, tantas coisas? É a Selma. A Selma é guerreira? Não, é toda mulher. Tem aquela expressão no jogo de truco, quando você não está com uma boa mão de cartas e diz que “bem batidinho, dá”. A vida também é assim: “bem batidinho, dá.” E se você tiver essa respiração, você respira, oxigena o cérebro e faz uma coisa de cada vez, um dia de cada vez.

Eu cheguei dessa maneira à aposentadoria. E me lembrei de duas coisas do início da minha carreira que mudaram completamente. Primeiro, tem gente que fala “que quem não é visto não é lembrado”. Não gosto dessa expressão, porque você não tem que impor a sua presença. Você tem que impor a sua presença na sua ausência. Você tem que fazer falta. O seu trabalho tem que fazer falta. Isso não é o chefe ver você toda hora no cafezinho. Outra coisa que acontecia muito comigo era não ter tempo nem para almoçar. Mas um profissional que não tem a competência para ter tempo nem para almoçar não está respirando, cuidando da vida, sabendo que para trabalhar ele depende da saúde.

Agora eu me lembro de várias pessoas falando que estão postergando a aposentadoria porque não sabem o que fazer depois de aposentadas. Sabe aquela hora, quando a gente estava comprometida com o trabalho e não conseguia fazer outras coisas? Pois é. Agora é o momento. Sendo assim, 2018 foi um ano muito cheio para mim. Agora que está no final eu vejo muita, muita, muita coisa acontecendo, e também o que aconteceu. Estou melhor do que quando entrei em 2018, ainda com certos receios. O que é fundamental: você se aposenta, continua com vida, com energia vital.

Eu e o Victor triplicamos a energia vital para este nosso projeto do “Mundo Asperger”, que é muito sério. Vocês não têm ideia de quantas pessoas nos procuram e de como a gente se sente feliz ao poder dar um retorno, poder compartilhar vivências. Sem esquecer que se expor não é nada fácil, porque muita gente pensa assim: “Olha lá, o cabelo dela está estranho, por que ela prendeu o cabelo? Nossa! A Selma fala depressa. Não gostei do batom! Ela tem que fazer uma plástica para continuar aqui…”.

Não, a gente não tem que pensar em nada disso. O que eu gosto de pensar é que nós, mulheres, somos guerreiras, somos inteiras e podemos tudo, se fizer “bem batidinho” e tiver sabedoria para cuidar do tesouro do corpo, do cofre e do coração. E é pensando assim que eu quero te dar um abraço especial hoje. Não importa se você é autista, jornalista, ativista… Importa o que você quer e o que você pode.

Cuide da sua energia vital. É assim que a gente faz da vida uma conquista diária maravilhosa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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