Feios, da Netflix, é tudo que uma distopia não pode ser. Aliás, McG pode ser um grande diretor, mas não cabe nesse projeto.
Feios ecoa aquelas distopias que estiveram em alta no início da década de 2010. Foi nessa época, inclusive, o lançamento do livro em que o longa-metragem se baseia. No contexto daquele momento, havia uma profusão de filmes nesse estilo, que variam do excelente, como é o caso de Jogos Vorazes, ao completamente insosso, como em O Doador de Memórias”. Porém, depois do êxito de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, é possível observar que esse tipo de crítica social ainda tem muito valor e muitas possibilidades de exploração nas telas de cinema.
Esta produção Netflix se passa em uma sociedade distópica que preza pela perfeição, ou seja, em que a aparência é tudo. Então, ao completarem 16 anos, os jovens são submetidos a uma cirurgia plástica para corrigir supostas falhas em suas aparências físicas. Assim, adequam-se aos padrões de belez. Isso ocorre até que Tally (Joey King) é a corajosa que decide contrariar a todos e vai contra o sistema opressor se juntando aos chamados Uglies. Aliás, o longa-metragem é a adaptação do livro de mesmo nome, de Scott Westerfeld, lançado em 2003.
O problema maior de Feios é que ele se ancora em uma nostalgia das distopias que foram sucesso dos anos 2010. E tudo que uma distopia não pode ser é anacrônica. A ideia central do filme, de que a beleza de um mundo sem conflitos é superficial e inautêntica, parecia fazer muito mais sentido naquele contexto de maior alienação e “imagens perfeitas” fabricadas para redes sociais digitais. Hoje, essas mídias também se provaram capazes de expor o pior do ser humano. Então, a reflexão precisaria ser melhor trabalhada para se atualizar ao cenário contemporâneo.
Quem dirige a obra é McG, que é um cineasta repleto de uma energia e entusiasmo muito próprios, capaz de gerar filmes memoráveis como A Babá (2016), As Panteras (2000) e a continuação As Panteras Detonando (2003). Este é um estilo peculiar e deliciosamente divertido, como pode-se perceber em seu filme mais recente, Trocados (2023). Acontece que não combina em nada com uma distopia mais reflexiva, que depende de pausas para observações e análises.
Dessa forma, a opção por McG parece a escolha mais equivocada de um cineasta para um grande projeto desde que escolheram Chloe Zhao, uma diretora conhecida por seu caráter contemplativo, para comandar o filme de super-herois da Marvel Eternos (2021). Isso acaba ressoando na direção dos atores. Joey King, por exemplo, cria a protagonista genérica de uma distopia, sem nenhum brilho em meio ao misto de desespero e coragem. E nem a competente Laverne Cox consegue trazer um lado particularmente assustador à vilã da história.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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