Disponível na Netflix, “Corra!” é, de maneira abstrata e inovadora, um dos grandes filmes a discutirem o racismo e a questão da escravidão nos Estados Unidos. E o que é mais interessante: por meio das analogias que são presentes no bom cinema de horror. Afinal, enquanto obra de terror e suspense, a produção mostra-se de primeiro nível e revela-se capaz de tirar o fôlego e arrancar arrepios crescentes da plateia. Assim, “Corra!” vai além do medo. O que o diferencia de outros esforços competentes pertencentes ao mesmo estilo, como “Verdade ou Desafio”, que também traz o selo Blumhouse entre as produtoras.
Este brilhante e surpreendente primeiro longa-metragem do cineasta Jordan Peele estreou no Festival de Sundance e foi indicado a quatro estatuetas do Oscar. Então, ele foi premiado com a de melhor Roteiro Original, crédito do próprio diretor. Assim, na trama, Chris Washington, um jovem negro, namora Rose Armitage, filha de uma família abastada. E certo dia, ela pede que ele vá conhecer seus pais, numa visita inesperada.
A partir de então, o filme embarca numa série de reviravoltas. E embora elas tenham um quê de previsibilidade, a maneira como tudo é amarrado e entregue ao público beira a genialidade. Peele consegue discutir temas sérios e entreter quase que na mesma proporção. Dessa forma, com um misto complexo e eficaz de surrealismo e verossimilhança, ele consegue provocar calafrios até no espectador mais cético.
Além disso, Corra! é uma obra instigante sobre a eugenia e o racismo. Ou seja, a produção traz reflexões críticas sobre como este problema social antigo ainda está presente de forma sutil, mas ainda bastante danosa, em nossa sociedade. Assim, ver o preconceito racial sendo aceito por meio de mecanismos sutis de controle da mente é um grave mal em nosso século que o filme retrata de forma digna, metafórica e impactante. Já os diálogos repletos de humor irônico e com fortes referências à cultura pop evidenciam a inspiração do filme em ‘The Stepford Wives’. Afinal, eles divertem sem prejudicar o intenso clima de medo e tensão passado na tela.
Já Daniel Kaluuya, no papel central, é quase comparável às grandes heroínas do estilo no cinema. Afinal, exemplos de ‘rainhas do grito’ deste naipe são Jamie Lee Curtis em “Halloween” e Alison Lohman em “Arraste-me Para o Inferno”. E enquanto Alisson Williams surge simultaneamente dócil e perigosa, Catherine Keener e Bradley Whitford fazem um belo trabalho por meio de respirações e olhares que escondem um grande mistério. Também, quem se destaca é Betty Gabriel, cujo sorriso que não permite demonstrar sofrimento acaba, por contraste, escancarando-o. Ao passo que LiRel Howery surge como o sujeito mais antipático da história, mas também como o único digno de confiança. Com isso, “Corra!” é imperdível para amantes da sétima arte em geral, mesmo os que não apreciam o gênero terror.
Sophia Mendonça é uma youtuber, podcaster, escritora e pesquisadora brasileira. Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
Você sabia que a música Firework, de Katy Perry, é um hino budista? Confira a…
Enfeitiçados parte de uma premissa inovadora e tematicamente relevante. O filme traz uma metáfora para…
Sophia Mendonça resenha o especial de Natal A Nonsense Christmas with Sabrina Carpenter, com esquetes…
O autismo na série Geek Girl, uma adaptação da Netflix para os livros de Holly…
Os Fantasmas Ainda se Divertem funciona bem como uma fan service ancorada na nostalgia relacionada…
Ainda Estou Aqui, com Fernanda Torres, recebeu duas indicações ao Globo de Ouro e está…