Saúde

Como evitar que a crise se torne um burnout?

Autistas, cuidem-se! Digo por mim mesma, já que essa semana está bem atípica. Afinal, eu tive a crise mais forte desde que me mudei para Pelotas. Assim, me desorganizei a ponto de negligenciar cuidados de casa. Isso ocorreu por causa dos fortes cansaço e estresse.

Então, fui a uma consulta psiquiátrica presencial e agora estou afastada do trabalho, de licença médica. O objetivo é que eu possa redefinir minha rotina, de modo a ter mais tempo para processar os afetos que aconteceram comigo nos últimos tempos. São muitos, o que inclui desde várias cirurgias até o término de um relacionamento complicado.

Hiperfocos devem ser dosados no ambiente profissional

É que, como autista e TDAH, eu tenho a tendência a querer sempre me manter ocupada com meus hiperfocos. E muitos deles se estendem aos trabalhos. Mas, mesmo amando me dedicar ao aprimoramento profissional, preciso estar atenta à saúde que nem sempre me acompanha.

Nesse sentido, estou evitando que a crise se torne um burnout. Este termo refere-se a um esgotamento físico e mental duradouro. Além disso, pessoas com burnout geralmente manifestam diminuição do interesse por atividades que antes davam prazer. No caso de autistas, a pessoa pode perder a habilidade de lidar com situações estressantes. Então, a autista com burnout pode evidenciar episódios intensos de ansiedade ou depressão.

A disfunção executiva no autismo e no TDAH

Assim, se por um lado pessoas neurodivergentes podem ter dificuldades de cumprir demandas que aos olhos dos outros são simples, pela disfunção executiva, por outro lado a gente também muitas vezes pode hiperfocar tanto que, paradoxalmente, perdemos o foco. Ou seja, a gente se exaure e se envolve tanto em algumas atividades que perdemos a noção até básica do autocuidado, o que inclui a preocupação com a administração da casa ou a alimentação, por exemplo. Aqui vale notar que disfunção executiva é o déficit em áreas como memórias de trabalho e autocontrole que compõem nossa possibilidade de se dedicar a tarefas cotidianas.

Sabemos, também, que as reações de luta ou fuga em autistas podem não ser usuais na maioria das pessoas. Eu, por exemplo, manifesto crises de choro e apatia. Isso se chama shutdown, que é uma espécie de desligamento. Ou seja, eu perco a noção do que está acontecendo no ambiente ao meu redor. Posso, então, derramar um pouco de leite, por exemplo, e nem perceber as gotas escorrendo. Ou, o que é ainda pior, mexer com aparelhos domésticos passa a requerer um estado de vigília muito maior. É que eu fico muito mais próxima de estragá-los, muitas vezes sem nem notar.

Este texto é mais um alerta: autistas, cuidem-se! Até porque as pessoas neurotípicas muitas vezes carecem de conhecimento técnico e podem te julgar como alguém preguiçoso e desatento. Pelo menos eu tenho a boa sorte de pertencer a uma empresa e a um time onde a cultura é o cuidar

e no qual a gente está sempre se apoiando.

A regulação emocional é importante para evitar que a crise se torne um burnout

Nesse sentido, ajuda eu ser muito focada e comunicativa no ambiente de trabalho. Isso ocorre em função da camuflagem social. Este conceito refere-se às estratégias que os autistas utilizam para minimizar ou mascarar os impactos do autismo nas situações sociais. O problema é que viver sempre neste estado de alerta cobra um preço. Tanto que, no conforto do lar, o sofrimento aparece muito maior. E as máscaras caem. Um exemplo disso está na relação com a minha mãe, quando morávamos próximas. Por vezes era muito difícil manter a paciência e o cuidado na relação uma com a outra.

Hoje pela manhã consegui dormir até tarde pela primeira vez em muito tempo. O sono é um aliado para o meu humor e para conseguir utilizar minhas habilidades tanto executivas quanto sociais. Além disso, me dediquei a algumas horas de meditação. Cuidar-se, afinal, é muito mais um processo de autogestão contínuo do que um “apagar incêndio”. Ou seja, é sempre melhor prevenir a crise antes que ela aconteça.

Mesmo assim, se houver um pico de estresse ou ansiedade, o importante é ter recurso e buscar a regulação emocional. Isso quer dizer que devemos, de preferência com ajuda profissional, desenvolver estratégias sobre o que pensar e em quais atividades focar. Com isso, evitamos uma ruminação do problema em pensamentos obsessivos e ansiosos que vem nos importunar. No fim, é como eu já registrei lá atrás, ao parafrasear Caetano Veloso no meu livro de estreia “Outro Olhar” (2015), e agora estou precisando praticar: “Gente foi feita para se cuidar e, então, brilhar”.

Autora

Sophia Mendonça é uma jornalista, escritora e pesquisadora brasileira. É mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.

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