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A mulher autista na TI

Para o texto Mulher Autista na TI, foto de Sophia Mendonça na mesa de trabalho, com o notebook, escrito ao lado: Dia do Programador, 13 de setembro

Há pouco mais de um mês, comemorou-se o Dia do(a) Programador(a). Sophia Mendonça conta sua experiência, como autista e programadora.

Hoje eu vou falar sobre a experiência de uma mulher autista na TI. Afinal, sou
desenvolvedora na Raia Drogasil RD, desde março de 2022. Eu tenho vinte e cinco
anos. E sou diagnosticada com o transtorno do espectro autista, o TEA. Ou seja,
sou autista. E tive o diagnóstico aos onze anos de idade. Enfim, venho de uma
formação em comunicação social. Aliás, fiz mestrado em Comunicação,
Territorialidades e Vulnerabilidades, na UFMG.

Desafios na Comunicação de uma mulher autista na TI

Até por ser autista, eu sempre quis focar em trabalhar a minha comunicação. Isso
porque esse foi o aspecto mais desafiador ao longo da minha trajetória. Entender
esse código usado pelas pessoas era difícil para mim. Assim, também, como era difícil saber como se dava esse processo de interação social. Mas, a verdade era que eu dependia desse entendimento para me sentir mais em equidade com os outros. Entretanto, quando eu terminei o mestrado, continuava muito confusa. Ainda não sabia como se daria esse meu trabalho mais formal na comunicação.

Então, eu tive a oportunidade de conhecer um treinamento oferecido pela RD.
Assim, em um processo seletivo, tornei-me desenvolvedora. Hoje eu já curso
Ciências da Computação. Dessa forma, eu pude fazer as pazes com o meu
raciocínio lógico.

Aliás, a lógica sempre foi intrínseca a mim, pois eu enxergo padrões, desde sempre, na comunicação e na linguagem. E com as linguagens de programação não é diferente. Então, esta foi a oportunidade de resgatar esse espírito. Sou curiosa e pesquisadora. Porque é isso que um bom desenvolvedor precisa ter. Ter essa curiosidade, esse espírito de busca. Certamente, não falo apenas de um conhecimento técnico. Mas, principalmente, da capacidade de como você quer aprender e da sua abertura para esse aprendizado.

Aprendizado conjunto no ambiente profissional

Como autista, eu sempre tive um desafio na parte da interação, da comunicação
social. Mesmo hoje, atuando jornalista e formada como comunicadora. Aliás, tanto como pesquisadora, quanto como produtora de conteúdo audiovisual e nas redes sociais
digitais. A verdade é que essa interação sempre foi problemática.

Contudo, preciso reconhecer que, atualmente, cada vez menos. Mas, ao longo da minha trajetória, esse desafio foi, e ainda é, desgastante. Então, a grande surpresa da área da programação foi essa possibilidade de troca. Ou seja, de crescer juntos, de poder cooperar com os colegas, e não competir. Logo, é buscar ser sempre a melhor versão de você mesmo. E crescer junto com o outro.

Por isso, ao pensar em algo tão bacana que eu vivi, foi justamente esse treinamento. Ou seja, ele foi uma oportunidade maravilhosa oferecida pela empresa RD do Brasil, em parceria com a Labenu. Lá, tive a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas. Aliás, elas são, hoje, parte do meu time na RD. Além disso, elas possibilitaram, primeiro, aquela sensação gostosa de ‘estamos discutindo e aprendendo juntos’. E, segundo, em momentos chaves de minha trajetória profissional, essas pessoas estiveram presentes e conseguiram me dar um suporte.

A vida é uma via de mão dupla

Mas sei que também consegui dar um suporte a esses meus colegas. Então, uma grande história passa por esses fatores. Ou seja, você construir vínculos com as pessoas do trabalho e transformar um ambiente rotulado como reservado aos tímidos – os nerds. Enfim, transformar esse ambiente num cenário de troca contínua e aprendizado mútuo. onde todos ganham.

Autonomia e independência como desenvolvedora

O trabalho é importante na vida de qualquer pessoa, por diversos motivos. Mas eu
acredito que o principal é a autonomia. Em outras palavras, a nossa independência financeira. O que, aliás, está ligado a você ter uma boa autoestima, se valorizar.

Eu sempre tive muito receio de não conseguir me encaixar no mercado de trabalho.
Então, com essa vaga para trabalhar na RD, eu conquistei minha autoestima e independência financeira. Inclusive, com benefícios também para mim mãe, igualmente autista. Porém, mais velha. Ou seja, eu não posso contar com ela para sempre. Afinal, com o tempo, ela pode até não dar mais conta dessa responsabilidade.

Para mim, mulher autista, trabalhar na TI é muito bom.

O dia a dia do trabalho é realmente algo muito prazeroso. Afinal, é uma oportunidade
de diálogo. Isso porque, quando a gente está codando, percebemos os bons exemplos. Ou seja, as boas referências. E, a partir disso, criamos algo nosso, com um quê de autoral no código analisado. Assim, você cria algo novo, absorvendo a bagagem de outras pessoas e transformando em algo que é seu.

A convivência com os meus colegas é muito proveitosa. Eu passei por momentos
delicados de saúde nos últimos tempos e eles foram muito parceiros. Esse apoio profissional me deu a segurança. Hoje me sinto plena.

Por isso, não podemos perder valores humanos. Afinal, as pessoas com deficiência têm muito potencial. Primeiro, ao trazer um olhar diferenciado para áreas que, muitas vezes, precisam de diversidade para inspirar alternativas. E, ao mesmo tempo, essas pessoas não precisam, necessariamente, de serem um peso para a sociedade. Ou seja, de serem dependentes para sempre.

A importância da inclusão do autista no mercado de trabalho

Sim, pessoas com deficiência vão precisar de suporte em vários pontos. Mas, não existem limitações para alguém determinado. E isso é bom para todos. Porque, além do país não ter que investir nas consequências de uma não inclusão. É preciso de investir na causa. Ou seja, inserir essas pessoas no mercado de trabalho e, com isso construir uma comunidade mais
equânime e humanizada. Aliás, mais produtiva, também. Porque a criatividade vem
da diversidade, de visões e perspectivas diferentes e enriquecedoras, exatamente, por isso mesmo.

Portanto, iniciativas como essa da RD de inclusão nos enchem de esperança. E
nesse ambiente, eu me sinto muito à vontade. Certamente, porque eu vejo também que não é só o discurso. Ou melhor, não é apenas pela lei para pessoas com deficiência. É, realmente, um acolhimento humanizado. Isso me encanta.

Agora, como mulher autista na TI – Tecnologia da Informação, na empresa RD/Brasil, eu descobri como eu posso crescer. E, agora, eu tenho uma ideia mais
exata de onde eu quero (e posso) chegar. Graças a essa visão de vanguarda, de uma
inclusão humanizada, hoje eu não tenho mais medo do futuro. Eu sei que eu posso
ser feliz e contribuir positivamente, com toda a sociedade.

Sophia Silva de Mendonça é programadora, escritora, apresentadora e mestre em Comunicação Social. Foi diagnosticada autista aos 11 anos, em 2008. Mantém o site O Mundo Autista no Portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista desde 2015. É autora de sete livros. Em 2016, recebeu o Grande Colar do Mérito Legislativo de Belo Horizonte, a maior honraria do legislativo municipal, tornando-se a pessoa mais jovem a receber essa homenagem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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CARLOS E. VERIANO'
CARLOS E. VERIANO'
1 ano atrás

Um exemplo a ser seguido. superou o preconceito popular, e elevou sua alteridade como ser humano e mulher. Parabens! “O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.