Selma Sueli Silva
Como vocês sabem, sou autista e mãe de uma mulher autista, de 24 anos. Recorrentemente, ao observá-la, cenas de minha vida retornam à minha mente com riqueza de detalhes e, infelizmente com os mesmos sentimentos da época em que foram vividas. Quem já passou por isso, sabe como o ressentimento, ressentir emoções já passadas, é nocivo desgastante.
Quando Sophia era adolescente, meu psicólogo, não raras vezes, me orientou como lidar com ela. Eu, apavorada, contra-argumentava: “Não consigo, você está me pedindo que eu lide com minhas próprias neuroses”. Então, ele me ensinava o passo a passo, o que me deixava mais segura. Uma de suas orientações era para que a Sophia (e eu) relativizasse a situação que a perturbava. O cérebro neurodivergente pode apresentar algumas armadilhas e uma delas é exatamente intensificar as emoções: ou estamos muito felizes ou, profundamente, infelizes. Coisas do tipo: “Meu mundo caiu e me fez ficar assim… você conseguiu (…)”. Dessa maneira, nosso cérebro potencializa os sentimentos envolvidos na situação, mesmo que não saibamos como nominá-los ou expressá-los para quem nos pergunta: “o que aconteceu.” Essa pode ser a maior dificuldade da pessoa autista: comunicar suas emoções. Mesmo quando é expert em discursar sobre seus hiperfocos.
Quando estamos naquela fase em que nosso cérebro ainda não é totalmente maduro, até os 25 anos aproximadamente, segundo estudos da Neurociências, perceber e relativizar as situações é algo muito, mas muito difícil mesmo. E é nessa fase, que os pais são mais rigorosos e cobram mais d@ filh@ que não é mais criança. Mesmo que, paradoxalmente, muitos deles ainda infantilizem seus filhos autistas, numa atitude que beira ao capacitismo e só complica o amadurecimento do cérebro neurodivergente que pode se dar mais lentamente que o cérebro típico. Mas criança, nenhum adulto autista é.
O que é necessário nessa fase é ensinar o passo a passo de como lidar com as mais diversas situações. Vale até simular algumas delas como: ouvir de alguém da família algo que se discorde frontalmente; ouvir um não a algo que se quer muito; estar chateado porque não pode passar o tempo todo nos jogos eletrônicos – exceto se você faz disso um hiperfoco que vá se transformar em seu trabalho.
Uma outra orientação é que não precisamos responder a uma pergunta imediatamente. Há sempre como ganhar tempo dizendo: Ainda não estou bem cert@. Vou pensar mais um pouco e te retorno.” Essa pode ser também, uma boa estratégia para que a gente não seja levada pela impulsividade que nos assombra a vida.
Não precisamos aceitar a ansiedade, quase uma constante ao cérebro neurodivergente, porém em doses mais elevadas que nos cérebros típicos, não precisamos aceitar a ansiedade como uma sentença imutável. E nem como desculpa que nos libere de construir melhores reações. Para tanto, é bom que tod@ autista treine a respiração que é forte aliada nos momentos de crise ou de ansiedade.
Um exercício muito bom, vem da terapia cognitivo comportamental: é preciso analisar o que de real existe num medo paralisante e o que é uma construção de nossas vivências. Eu tenho pavor de ir a lugares que não conheço, dirigindo. Percebi que os motivos são: medo de me perder. Para esse, o GPS e coração sereno, caso contrário, não conseguimos entender nem as indicações do GPS. Medo de estar sozinha pois quando estou nervosa não consigo me expressar direito. Para esse, a companhia daquela pessoa que é nosso suporte mesmo quando somos adultos (uma prima, um colega, pai, mãe, terapeuta/acompanhante.) Medo do imprevisível e incontrolável. Para esse, a vida me ensinou que não tem estratégia 100% eficaz. Por isso, diminuímos a tensão com o que podemos, de alguma maneira, controlar para enfrentar o imprevisível que, no mínimo, nos servirá de um rico aprendizado.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.