Maternidade Atípica

Autista não interage socialmente?

A ideologia ultrapassada do senso comum de que o autista não interage socialmente, me remete ao livro: “O perigo de uma história única”. A autora é escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Foi, certamente, uma das palestras mais lindas que assisti nos últimos tempos. E que está disponível no youtube.

Apesar de a temática ser racial, podemos nos apropriar do discurso da autora em parte. Tal parte nos leva a iluminar a reflexão sobre nosso conhecimento limitado sobre o autismo.

Autista interage socialmente, sim senhor!

Entretanto, em um evento sobre TEA – Transtorno do Espectro Autista, em Belo Horizonte, um renomado palestrante disse, em tom de brincadeira: “Na época dos homens das cavernas, enquanto alguns estavam sentados conversando em volta da fogueira, o autista estava [sozinho] inventando a roda.” E mais: ele era psiquiatra especialista no assunto.

Isso já faz tempo e estas palavras ainda reverberam em mim com certa frequência. Na verdade, elas me incomodam. Isso porque há, no mínimo, duas interpretações para essa afirmação.

Primeira: a dificuldade de interação social da pessoa autista. Aliás, esse é um dos critérios clínicos para diagnosticar uma pessoa dentro do espectro autista.

Segunda: a crença estereotipada da genialidade do autista. Ou seja, aquele que detém o QI acima da média. (QI – quociente de inteligência)

Desse modo, devemos lembrar que a dificuldade de socialização não é impossibilidade de conviver socialmente. Assim, ela não inviabiliza o aprendizado mútuo entre as pessoas típicas e neurodiversas. Pelo contrário, é totalmente possível a coexistência da diversidade humana no mesmo ambiente.

A riqueza da interação social do diferente

Além disso, a riqueza heterogênea da espécie homo sapiens presente na sociedade, ao longo da linha do tempo, comprova que as múltiplas inteligências, culturas, línguas. Tudo isso, distribuído entre os diversos campos do conhecimento, é o que vem transformand o o ser humano em uma versão mais evoluída.

Desde a infância, quando brincamos, conversamos, estudamos e vivemos a experiência de uma comunidade com pessoas diferentes de nós, desenvolvemos um olhar natural para as características que o outro tem. Mas que são aquelas características que nós não temos.

O senso comum diz: “O que eu conheço não me causa estranhamento.” Porém, se meu repertório social é limitado a apenas um grupo de pessoas típicas, então eu não me identifico com a diversidade humana. E a história que me contarem sobre o outro que eu ainda não conheço, será a narrativa que eu irei reproduzir. Isso porque eu não me arrisquei ao novo. Nem me lancei ao desafio do desconhecido. É certo que eu me acomodei em uma falsa sensação de conforto. Ou seja, uma sensação que a minha limitação me transmitiu.

Graça sem graça e sem conhecimento sobre o autismo

Para a plateia interessada e ávida pelos conhecimentos do médico estudioso, soou engraçado. Mas, para mim não. Eu prefiro imaginar que enquanto os homens e as mulheres da era da pedra lascada estavam sentados em volta do calor da chama do fogo aceso, a pessoa do espectro autista, seus semelhantes e congêneres conversavam. E juntos idealizaram o advento tecnológico circular que se move ao redor de um eixo central.

Aliás, da mesma forma, eles descobriram como produzir a combustão que os aqueceu. Assim como as inovações que garantiram a sobrevivência e a evolução da espécie humana. Ou seja, a partir de um coletivo de pessoas diferentes em prol de um bem comum.

O autista como protagonista até de sua interação social

Desde que entendi que um evento ou um curso ou um livro sobre o espectro do autismo é um assunto em que o autista é o protagonista, tudo passou a fazer sentido. Afinal, quem tem lugar de fala é o próprio autista.

De tal forma que é fundamental validar a narrativa da experiência da própria pessoa autista, diante dos desafios individuais que ela enfrenta. Além, de claro, entender quais são as barreiras encontradas por ela, no dia a dia. Pois são essas barreiras que a impedem de exercer, plenamente, a sua existência em sociedade.

Roberta Colen Linhares, natural de Belo Horizonte – MG, casada, mãe de Arthur e Isis, contadora de histórias pelo Instituto Aletria, e atualmente é graduanda do Curso de Letras na PUC Minas.

Mundo Autista

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