A recente onda de ataques online direcionada à filha de 5 anos do empresário Roberto Justus, Vicky, após a publicação de uma foto em que a criança aparece com uma bolsa de grife, reacendeu um debate crucial sobre os limites da crítica social e os perigos da desumanização. O incidente, que resultou em uma ação judicial por parte da família Justus, expõe uma faceta preocupante do discurso de ódio que se camufla em uma luta de classes.
A “metáfora” da guilhotina e a banalização da violência nos Ataques à filha de Roberto Justus e Ana Paula Siebert
Um dos comentários que mais gerou repercussão veio de um professor aposentado da UFRJ, Marcos Dantas. Afinal, ele escreveu “Só a guilhotina” em alusão à Revolução Francesa. Posteriormente, o professor justificou a frase como uma “metáfora” para denunciar a desigualdade social. Embora a intenção possa ter sido a de provocar reflexão, a escolha de uma imagem tão violenta, ainda que simbólica, para se referir a uma criança, é no mínimo irresponsável.
A banalização de termos e imagens associadas à violência, mesmo que sob o pretexto de uma “metáfora”, pode ter consequências reais. Isso porque em um ambiente digital propenso à polarização, a linha entre a crítica construtiva e o incitamento ao ódio torna-se cada vez mais tênue. Então, usar uma criança para personificar a “vilania” de uma luta de classes, independentemente da intenção, é uma crueldade inaceitável. Até porque crianças são seres em desenvolvimento, vulneráveis, e não devem ser instrumentalizadas em debates sociais, por mais legítimos que sejam.
O paradoxo da “luta” contra o preconceito
É paradoxal que parte de uma população que se diz contra o discurso de ódio e o preconceito adote comportamentos semelhantes ao julgar e atacar indivíduos por sua posição social. A indignação com a desigualdade é compreensível e necessária, mas ela não pode justificar a desumanização ou a propagação de ódio.
A riqueza, por si só, não é um atestado de maldade ou beligerância. Afinal, pessoas em posições de status social, assim como qualquer outro indivíduo, têm suas próprias dores, problemas e desafios. Então, rotulá-las como “inimigas” ou “vilãs” ignora a complexidade das relações humanas e contribui para a polarização. Além disso, em muitos casos, a fortuna pode ser revertida em trabalho em prol da sociedade. Isso pode ocorrer seja por meio da arte, da filantropia ou da geração de empregos.
O verdadeiro inimigo: O desprezo à dignidade humana
A verdadeira batalha não é contra pessoas ou bens materiais, mas contra um sistema que permite e perpetua certas desigualdades. Portanto, a discussão deve focar em como repensar e melhorar esse sistema. E não em atacar indivíduos que, por ventura, se beneficiam dele.
A maldade começa na mente e se manifesta em ações. A luta real deveria ser contra o desprezo que prejudica a dignidade da vida e a falta de respeito pelo próximo, independentemente de sua posição social. Despersonalizar o “outro”, seja ele rico ou pobre, é o primeiro passo para a desumanização e para a perpetuação de um ciclo de ódio.
É fundamental que, como sociedade, aprendamos a criticar as estruturas e os sistemas sem desrespeitar ou atacar a dignidade das pessoas. O episódio dos Ataques à filha de Roberto Justus serve como um doloroso lembrete de que o ódio, em qualquer de suas formas, é sempre destrutivo.

Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.
Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça.
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