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Autismo Profundo: Por Que Dividir o Espectro Pode Nos Afastar da Inclusão? O Que Significa “Autismo Profundo” e de Onde Vem Essa Ideia?

Autismo Profundo: Por Que Dividir o Espectro Pode Nos Afastar da Inclusão? O Que Significa "Autismo Profundo" e de Onde Vem Essa Ideia?

Autismo Profundo: Por Que Dividir o Espectro Pode Nos Afastar da Inclusão? O Que Significa "Autismo Profundo" e de Onde Vem Essa Ideia?

Nos últimos meses, o termo “autismo profundo” tem circulado intensamente em discussões médicas e redes sociais. Dessa forma, reacende um debate crucial: ao tentar classificar, corremos o risco de excluir justamente quem mais precisa de visibilidade e suporte? Como mulher autista e mentora de mães com filhos em diferentes níveis de suporte, enxergo essa questão sob uma ótica profundamente pessoal: a da vivência. É por isso que proponho uma reflexão mais empática e humana.

O Que Significa “Autismo Profundo” e de Onde Vem Essa Ideia?

A expressão “autismo profundo” ganhou popularidade após um relatório da The Lancet Commission em 2021, que a sugeriu para descrever pessoas não verbais e com comprometimento cognitivo acentuado. Assim, a intenção era louvável: dar mais visibilidade a indivíduos com deficiências ditas mais severas. Afinal, eles frequentemente são marginalizados em pesquisas e políticas públicas.

No entanto, essa nova classificação carrega um risco considerável: o de reabrir a perigosa divisão entre “autistas de verdade” e “autistas leves”.

O Perigo Quando o Rótulo Se Transforma em Muro

Por décadas, o autismo foi estereotipado como uma condição unicamente “grave”. Isso levou muitas pessoas que hoje se reconhecem no espectro a serem ignoradas, mal diagnosticadas ou rotuladas como “estranhas”. Então, o conceito de espectro autista foi um avanço poderoso. Isso porque ele criou um “guarda-chuva” que celebra a vasta diversidade de ser, sentir e se comunicar.

O termo “autismo profundo”, infelizmente, ameaça reconstruir esses mesmos muros que o conceito de espectro se esforçou para derrubar. Afinal, quando usamos a palavra “profundo”, mesmo que inconscientemente, sugerimos a existência de um “superficial”. Mas o autismo não tem profundidade; ele tem variações nas necessidades de suporte.

E se muitas pessoas com manifestações mais sutis do autismo hoje têm posicionamentos mais agressivos ou reativos, isso é apenas um reflexo de toda a dor que sofreram durante toda a vida, inclusive pela exclusão do próprio espectro autista por muito tempo. Afinal, muitos não tiveram acesso a diagnóstico adequado, acessibilidade nem a compreensão. Alguns até foram julgados como “loucos” e sofreram as implicações sociais disso, que vão desde a internações em clínicas a associação de seus comportamentos com desvios de caráter que prejudicaram suas possibilidades de sobrevivência. Exemplos disso são a busca por emprego ou mesmo por benefícios assistenciais, já que muitos nem dão conta de lutar pelo que precisam, e não tem ninguém que dê conta de fazer isso por eles. Isso se estende até mesmo a autistas profissionalmente bem-sucedidos, mas com dificuldades diversas na vida cotidiana.

A maior prova de nossa vulnerabilidade é que até médicos e mães de autistas parecem não acreditar em muitas de nossas dificuldades, e não conseguem compreender nossa busca por respeito e validação como algo que não seja ‘romantizar o autismo’.

A Dor Silenciosa das Mães

Mães de autistas com altas necessidades de suporte muitas vezes vivem em um espaço de silêncio e exaustão. Elas raramente se veem nas narrativas de “autistas bem-sucedidos”, mas também rejeitam a ideia de serem vistas com pena, como se fossem menos do que outras mães. Além disso, elas amam seus filhos e lutam por cada pequena conquista, cada sorriso, cada olhar.

Então, quando o debate público categoriza seus filhos como “autistas profundos”, seus filhos estão sendo desvalorizados, vistos como “menos”. E isso é doloroso. Imagino que nenhuma mãe deseje que seu filho seja categorizado como uma humanidade à parte. E a palavra ‘profundo’ tem uma conotação de subjetividade, de adjetivo. Então, ela não descreve as dificuldades da pessoa autista, ela a categoriza como um adjetivo.

Autismo Profundo: O Problema Não É o Nome, É o Que Ele Reforça

Palavras, por si só, são apenas um conjunto fonético e semântico. Mas elas carregam conotações, significados, visões de mundo, estigmas e até preconceitos. Além disso, linguisticamente, escrever a história também é criá-la. Assim, a repetição de uma palavra pode trazer uma validação de tudo que ela não engloba nem valida, mas vem com ela nesse todo de interpretações socioculturais.

A intenção de diferenciar perfis pode ser científica e prática. Contudo, quando esses rótulos chegam à sociedade, adquirem um peso simbólico e emocional imenso. Portanto, termos como “leve”, “moderado”, “profundo” ou “grave” podem, inadvertidamente, reforçar uma hierarquia de valor entre pessoas autistas. Isso não é inclusão; é uma forma sutil de capacitismo.

O verdadeiro caminho não é dividir o espectro, mas sim aprimorar o suporte individualizado. Assim, precisamos de novas categorias e de políticas públicas que reconheçam as diversas necessidades, sem apagar a existência de ninguém.

O Que Realmente Precisamos Discutir

O debate em torno do “autismo profundo” destaca um ponto crucial: pessoas com maiores necessidades de suporte estão, de fato, sendo negligenciadas em conversas, pesquisas e representações. Mas a solução não é a separação; é ouvir mais. É dar voz às mães, cuidadores e buscar se comunicar com as próprias pessoas com deficiências intelectuais ou prejuízos na fala. Para isso, é crucial o respeito a suas formas únicas de comunicação. Afinal, a luta é uma só: visibilidade com dignidade.

Conclusão: Mais Pontes, Menos Rótulos

Dividir o espectro é um retrocesso disfarçado de precisão. Enquanto o mundo discute “níveis” e “profundidades”, milhares de pessoas autistas e suas famílias continuam buscando um olhar simples: o de serem vistas como parte da mesma humanidade.

É por isso que devemos continuar falando, ouvindo e ensinando:

  • O autismo é diverso.
  • Cada pessoa é única.
  • E toda vida merece ser compreendida – não classificada.

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Vídeo – “AUTISMO PROFUNDO”: O Termo CAPACITISTA que Está DIVIDINDO a Comunidade!

Sophia Mendonça

Autora

Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UFPel). Idealizadora da mentoria “Conexão Raiz”. Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.

Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça. Além disso, é autora de livros-reportagens como “Neurodivergentes” (2019), “Ikeda” (2020) e “Metamorfoses” (2023). Na ficção, escreveu obras como “Danielle, asperger” (2016) e “A Influenciadora e o Crítico” (2025).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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