Em Outro Olhar – reflexões de um autista (2015), Sophia Mendonça apresenta ao leitor flashes de seu mundo psíquico interior. Com isso, fala de sensações, emoções, pensa mentos, desejos, realidades e exigências do mundo externo. Assim, com inteligência superior ciente de não ser gênia, a autora delata o emaranhado, a diferente e confusa formatação funcional psicológica onde vivências comuns do cotidiano se tornam tempestades que precisam ser superadas e as vivências complexas são “simplesmente” aniquiladoras. Dessa forma, ela mostra com perícia e sensibilidade como é difícil sobreviver, neste mundo de humanos, tendo Síndrome de Asperger.
Isso porque são dezoito capítulos de exposição de um mundo que parece ficção (Outro Olhar). Porém, ele é real, muito real e muito mais frequente que o leitor possa imaginar. Então, Sophia oferece a visão geral de suas dificuldades e vitórias. Assim, ela começa pela dificuldade de entender o universo humano e pelas suas explosões de raiva. Além disso, aborda o tratamento médico e sua importância e a sua natural franqueza extrema. Também, ela narra suas dificuldades no mundo social escolar e as vitórias alcançadas.
Daí, Sophia segue relatando seu sofrimento para ir e permanecer no ambiente escolar. Além disos, fala da importância de ser ajudada por amigos e familiares. Nesse sentido, a figura da mãe está presente em quase todos os capítulos de forma positiva. O que denota sua importância. Assim, Sophia Mendonça finaliza ressaltando a presença destrutiva da ansiedade não canalizada para algo prazeroso e produtivo.
Depois, no quarto e no quinto capítulos, a autora ressalta uma questão da mais alta importância. Ou seja, o diagnóstico. Afinal, sem essa clareza, o futuro será mais tortuoso e incerto para a pessoa afetada. E também para a família, a escola e todo o contexto social participante. Aliás, há poucas déca as trabalhei num hospital onde colegas me criticavam por falar o diagnóstico dos filhos para os pais. Isso porque eles que estava condenando crianças a um futuro sem perspectiva. Porém, eu confrontava que, pelo contrário, era o diagnóstico que propiciava tratamento adequado. E, por consequencia, um futuro melhor. Hoje, a fala da autora “Quem conhece as regras do jogo tem mais chances de vencer no final”, atesta a adequação de meu posicionamento.
Após isso, Sophia fala sobre sobreviver na Escola. Aliás, este é um assunto largamente encontrado nas autobiografias de pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Então, Sophia Mendonça ensina como sobre viver e se manter nesse ambiente hostil. Isso, por serem diferentes. Já no sétimo capítulo, os ensinamentos do budismo começam a ser citados. E mais, a autora os exercita para aplacar os inúmeros conflitos existenciais. Então, esse tema continua e a jovem autora fala da automedicação e seu perigoso excesso.
Depois disso, Sophia fala da rigidez de pensamento dos humanos ditos normais ou neurotípico. Isso ocorre diante de sua dificuldade em aceitar aqueles que são diferentes. Aliás, esta é uma fantástica contradição. Isso porque tecnicamente dizem que são as pessoas com TEA que apresentam rigidez psíquica. Mas no mundo real… Enfim, o décimo capítulo é um poema à harmonia alcançada com a figura paterna. Já os capítulos seguintes são o retrato do Parece simples, mas para nós não é. Afinal, surgem emoções e sensações diversas,. E todas elas estão presentes e soltas/desconectadas como num ambiente sem gravidade, em contínua atividade, mas difíceis de interpretação e integração. Então, todas estão cobrando sua clareza, conexão, importância, finalidade e uso ou arquivamento. Nesse sentido, novamente, o budismo entra em cena na busca do equilíbrio tão importante.
Além disso, os últimos capítulos trazem importantes dicas sobre como otimizar a comunicação e o afeto com alguém com TEA. E livro termina comentando os rótulos. Daí, fala que a chave para se encontrar a felicidade do autista está no autoconhecimento.. E que luta é constante e não é fácil. Também,mostra como o simples (correção de miopia) ajuda no complexo (Asperger). Dessa forma, a autora abandona o transitório (os limites que são superados) e revela o verdadeiro (a vida é única e seu valor, também, é único). Portanto, considero Sophia Mendonça heróina de sua própria história pelo exercício de autosuperação. E aqui ela mostra esse caminho para os “não diferentes”. Então, digo: parabéns e siga em frente.
(*) Walter Camargos é psiquiatra, criador do serviço especializado em atendimento aos portadores de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento na FHEMIG, autor de “Síndrome de Asperger e Outros Transtornos do Espectro do Autismo de Alto Funcionamento”
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