Arte e entretenimento

A natureza do mal em Wicked

As pessoas nascem más ou a maldade é imposta a elas?”, pondera Glinda, a personagem Ariana Grande, na sequência inicial de Wicked: Parte 1 (2024). O filme que se desenrola a seguir tenta responder a essa questão essencial. Com isso, tornou-se a maior bilheteria da adaptação de um musical da Broadway.  

Além disso, Wicked vem colecionando reconhecimento na temporada de premiações. Assim, a previsão é que este seja um dos longa-metragens com maior prestígio e indicações no Oscar 2025. No próximo Globo de Ouro, que ocorre em 05 de janeiro, o filme concorre nas categorias dedicadas a Melhor Atriz, Atriz Coadjuvante, Filme de Comédia ou Musical e Conquista Cinematográfica e de Bilheteria.

Aliás, Wicked é mesmo um dos maiores feitos do ano no que se refere à produção para cinemas. Em minha crítica, observei que a obra é “um musical fabulosamente crítico, que consegue analisar nuances das relações humanas em nível individual e estrutural, além das sociedades em pequena escala. Tudo isso culmina em um entretenimento de primeira grandeza, com números musicais fantasticamente elaborados, um enredo denso e interpretações formidáveis de Cynthia Erivo e Ariana Grande. Com isso, a obra discute em profundidade temas como política e amizade.” 

A natureza do mal em Wicked

Então, o que torna este um filme memorável, para além da superprodução e do elenco de primeiro nível, é que tudo isso está a serviço de uma construção refinada de personagens complexos. O que favorece a identificação com acontecimentos da “vida real” e nos leva a refletir sobre temas contemporâneos e recorrentes na História, como a perseguição política.

Todas essas reflexões são derivadas da pergunta que abre o longa-metragem sobre a natureza do mal. Por isso, uma análise budista de Wicked é muito bem-vinda. Afinal, o mote do filme se assemelha ao princípio original do budismo. Ou seja, ambos buscam entender as causas do sofrimento que aflige as pessoas para transcendê-lo.

Além disso, o vínculo puro de amizade entre Elphaba e Glinda nos leva a questionar se Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, era realmente alguém maldosa. “Elphaba não é má. Nenhum dos personagens é totalmente bom ou ruim. Eles são falhos, complexos e humanos”, disse a atriz Cynthia Erivo, que interpreta a protagonista de Wicked: Parte 1. “Essa história nos pede para reconsiderar as etiquetas que colocamos nos outros e em nós mesmos. É sobre empatia e compreensão. O mundo precisa mais disso neste momento”.

Uma análise budista sobre a natureza do mal em Wicked

O ponto é que, assim como vemos o bem e o mal tanto em Elphaba quanto em Glinda, o mesmo vale para nossas próprias vidas. O budismo descreve o mal como aquilo que essencialmente prejudica a si mesmo e aos outros. Portanto, ele está enraizado no egoísmo, fazendo-nos pensar apenas em nossos interesses pessoais. Nessa perspectiva, o mal vem de não estar ciente de que o potencial para o estado de Buda existe dentro de nossas vidas. Isso leva-nos a desvalorizar a nós mesmos e aos outros.

Em contraste, o budismo descreve o bem como aquilo que beneficia a si mesmo e aos outros. Ele é baseado em nosso estado iluminado, que se expressa como o desejo genuíno de levar todas as pessoas à felicidade absoluta, ou iluminação. No nosso caso, ao reconhecer e desafiar constantemente as partes de nós que desconsideram nosso potencial infinito e o dos outros, nos tornamos pessoas que podem transformar qualquer obstáculo no maior bem.

A unicidade do bem e do mal

O princípio da “unicidade do bem e do mal” no budismo ensina que todas as coisas possuem o potencial para o bem e o mal. Se o mal simplesmente for deixado seguir seu curso, ele continua sendo mau. A “unicidade do bem e do mal”, dessa forma, só é expressa quando o mal funciona para revelar o bem.

É que, para o Budismo, as pessoas não são intrinsecamente boas nem más. Se o bem ou o mal emerge de nossas vidas, isso depende de nossa condição de vida e intenção. A raiva, por exemplo, pode funcionar como benéfica quando direcionada a ações más, como opressão, crueldade ou violência. Mas, se atacamos injustamente os outros devido a um ego ferido ou orgulho, essa raiva funciona como algo mau.

Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.

Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça.

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