Nasci em meados da década de 60. Mulher. Família pobre. Morava na Vila dos Marmiteiros. Então, conheci a discriminação social e o machismo, à medida que crescia. Na curva dos 50, veio o meu diagnóstico: autismo. Certamente, veio ainda, mais preconceito. “Você não pode ser autista.” “Você é a pessoa mais humanista que conheço. Logo, não é autista.” “Você fala bem.” “Você está no mercado de trabalho.” “Para que o diagnóstico. Você está velha demais.” Assim, vi somar à minha lista, um preconceito até então desconhecido por mim, o etarismo. Desse modo, descobri a fórmula para destruir a alta autoestima: a mulher, a pobreza, o autismo e o etarismo. Tudo junto.
São sinônimos para o preconceito baseado na faixa etária da pessoa, mais comumente destinado a pessoas acima de 50/60 anos. Mas, pelo amor! Não basta ter sido perseguida a vida inteira por ser mulher? Além disso, mesmo tendo subido uns degraus na escala social, a pobreza pobre mesmo, deixa sequelas. Por exemplo, uma espécie de fissura em nossa autoconfiança. “Esse salário está bom demais, considerando de onde eu vim.” Agora, depois de tudo isso, à essa altura, não posso ser autista porque sou velha?
Assim, gostaria de saber quando a maior parte das pessoas vai entender que:
Ser mulher, a pobreza, o autismo e a idade dizem de uma fração do ser humano. Enxergar e deduzir sobre o todo, com base na parte, é injusto e arriscado.
Depois do diagnóstico, passei minha vida pelo pente fino. Era preciso continuar computando minhas vitórias, mas sem o sofrimento agregado, de antes. Chega! O autoconhecimento liberta. Nunca me considerei bonita, quando mais jovem. Mas eu era. Porém, a inadequação me fazia me sentir desajeitada, feia, aquém da realidade.
Hoje, quase dez quilos a mais, rugas no rosto, joelhos menos arredondados, (não sabia que até os joelhos envelhecem), lei da gravidade desejando provar sua veracidade, as pessoas vêm me dizer que eu sou velha? Sou, não. Garanto. Desse modo, não tenho a pretensão de ter o mesmo corpo de antes (gosto muito do atual), ou de disputar o viço juvenil com minha filha de 24 anos. Jamais.
Entretanto, uma coisa é certa: não sou mais um ser amedrontado, tentando entender as regras e as pessoas ao meu redor. Hoje, me sinto plena, completa. Não que isso signifique que eu não tenha envelhecido. Sou plena, exatamente, pela bagagem que trago comigo e que, a cada passo, se faz mais rica. Sou mesmo é uma jovem senhora experiente, com suas muitas vivências. Se meu corpo doi, sei o que devo fazer. Que atitude tomar. Sei, ainda, que é preciso certa seletividade pois, o que não me agrega, me faz perder um tempo precioso.
Insisto. Sou plena, completa. Não porque sou dotada de sabedoria que só os anos trazem. Não, vá de retro! Sou plena e completa porque minhas escolhas são conscientes, meus amores são seletos e valiosos, meus desafios, quando enfrentados, me tornam melhor. Hoje, ao contrário de ontem, vivo de maneira consciente. É muito ruim fazer a próxima jogada da vida, com base no que o outro espera de você. Quero mais isso, não. “Espelho, espelho meu, existe alguém que ama o vai e vem da vida, mais do que eu?”
Isso quer dizer que a vida, para quem não se furta a viver, é um eterno andar para frente, subir, gozar de uma bela vista e enxergar outra montanha. Então, descer e começar tudo de novo. Meu Mestre de vida, Daisaku Ikeda me ensina:
O propósito da vida não é ter uma lista de montanhas que escalou. É se tornar um excelente alpinista, pois assim será capaz de escalar todas as montanhas, mesmo as que não escolher.
Texto de Selma Sueli da Silva
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