De tempos em tempos, surge o debate em torno do autodiagnóstico de autismo. Há quem seja contra. O argumento é que se dizer autista antes de um laudo formal, é um problema. Afinal, banaliza a condição. E quem é a favor, alega os altos custos das consultas com profissionais especializados. Além disso, há ainda, a falta de suporte de planos privados e do atendimento público. Contudo, é preciso avaliar os efeitos do diagnóstico tardio e a importância de um diagnóstico acessível.
Entretanto, a realidade é uma só: há uma falha imensa no nosso Sistema de Saúde e no modelo pela qual se avalia a possibilidade de um diagnóstico. Principalmente, quando falamos em uma condição cujas características não são visíveis. Ou seja, muitas vezes, pode passar despercebida por anos. Contudo, segue afetando uma parte boa da vida do indivíduo. Mas não afeta o funcionamento esperado dentro do recorte social. Atualmente, há um número crescente de pais e mães de autistas recebendo diagnóstico tardio.
O chamado Diagnóstico Tardio, muitas vezes, ocorre após um filho receber o dele. A mãe, quase sempre a responsável pelos cuidados com a criança, passa a identificar em si, as mesma características. Ou é alertada por parentes sobre ter apresentado os mesmos comportamentos na infância. Assim, um número considerável de mulheres busca profissionais para investigar a sua condição. Mas elas se deparam com muitos médicos que descartam o autismo pelas suas “conquistas” e autonomia.
Em fevereiro deste ano, a Revista Cláudia tratou sobre o tema. Especificamente, sobre o crescente número de mulheres diagnosticadas após os 30 anos de idade. Isso, após uma vida inteira de subdiagnósticos. Segundo a matéria, estudo publicado em 2020, dizia que a proporção entre meninos e meninas autistas pode ser de 1,8 para 1 – bem abaixo do que se pensava, de que havia três vezes mais meninos autistas do que meninas.
A razão seria o modelo de diagnóstico. Em outras palavras, as pesquisas são baseadas na pesquisa do comportamento de meninos. Logo, não consideram as manifestações que podem envolver o autismo no sexo feminino. É preciso levar em consideração que o autismo ainda é pouco estudado no Brasil. Desde a literatura até os casos realmente comprovados, temos:
1. A falta de inclusão destas pessoas na sociedade
2. A ausência de autistas na sociedade gera pouco contato com a diversidade
3. Assim, o preconceito fez com que a condição fosse vista com estereótipos e estigmas sociais. E claro, isso resulta na dificuldade de identificação de muitos autistas.
Então, o quadro descrito leva a um número expressivo de autistas que convivem com rótulos por toda uma vida. Diante dessa pressão social, as mulheres criam estratégias para se adequarem socialmente. Aliás, elas aprendem a mascarar suas características. E, com isso, passam despercebidas até pelo mesmo pelo olhar médico.
Eu fui um destes casos. Após meu filho receber o laudo, eu também passei a investigar o meu. Ao me tornar ativista, tive contato com diversas mães.
Desse modo, passei a perceber que muitas delas também se confrontavam com as mesmas dúvidas que eu. E foi assim que cheguei ao autodiagnóstico. Pouco depois, veio a formalização por um especialista.Com isso, busquei recomendações e comecei um processo de autoconhecimento e de validação. Por exemplo, validação de meus sentimentos e percepção sobre mim e alguns “rituais”. Esses rituais sempre existiram. Contudo, eu aprendi a disfarçá-los para me encaixar minimamente. E, assim, ser aceita socialmente.
Minha aposta era o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH (que se confirmou mais tarde), e o Fenótipo Ampliado do Autismo, conhecido por FAA. Nesse quadro, o pai ou a mãe, ou os dois apresentam características do autismo. Porém, não em quantidade suficiente para se enquadrar no Espectro.
Identificar adultos no espectro, receber o meu diagnóstico formal de TEA, ter acesso aos profissionais especializados em autismo, tudo isso foi essencial para minha caminhada. Assim, pude me sentir validada e, por fim, aliviada.
Especialistas atualizados capazes de um olhar minucioso e mais humano são essenciais neste percurso. Além disso, é preciso repensar o custo desta avaliação. Hoje, ela não é acessível. Portanto, isso dificulta ou até inviabiliza o diagnóstico e todo processo decorrente dele. Sem contar com o despreparo do SUS – Sistema Único de Saúde.
Por sorte, em algumas situações, este quadro está mudando. Isso auxilia as mulheres a entenderem suas diferenças. Outro fator favorável, está no acesso facilitado à internet. Uma realidade que tem se ampliado. O que implica em redução dos gastos.
Ao buscar os profissionais, não estamos procurando apenas validar nosso autodiagnóstico. Ou mesmo nos rotular, como acreditam muitos médicos. Eles invalidam nosso relato e justificam como uma suposta “rejeição” ao fato de não termos respostas para o autismo de nossos filhos.
Entretanto, estamos somente, querendo respostas para nossas próprias indagações. Questionamentos que foram ignorados por toda uma vida. O fato é que queremos a identificar, nomear estes sentimentos e sensações. Mas, também, precisamos da compreensão que, por muitas vezes, nos foi negada. E, o mais importante: precisamos resgatar a paciência com nossas limitações, em nossa própria trajetória.
Gabriela Guedes é mãe atípica do Gael, um menino autista de 05 anos, jornalista e comunicóloga, ativista e criadora de conteúdo. Idealizadora do Movimento Vidas Negras Importam e autora da página e do Blog: Mãe Atípica Preta.
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