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A história de Irene, 8.0, continua.

Olá, neste espaço que se pretende neurodiverso, e que valoriza as diferenças, eu me sinto inteira. Desde dezembro, compartilho com vocês, na editoria Diversidade 50+, minha trajetória. Acho uma graça quando penso: 50+? Então, 50 mais 30. Assim, a história de Irene, 8.0, continua.

Falamos de gente. Gente como a gente, como eu, como nós

Hoje, em tempo de pandemia, de luta universal contra a ameaça do terrivel vírus (covid 19), me agarro fervorosamente à oração. Sou budista, como minha filha Selma. Assim, temos o acolhimento da familia Soka Gakkai e oramos juntas. Certamente, com muita energia, oramos por um mundo sem pandemia, sem fome e sem guerra! A BSGI, Brasil Soka Gakkai (que significa criação de valores) está ligada a SGI – Soka Gakkai Internacional. É uma ONG que luta pela Paz, Cultura e Educação.

Mas voltemos à minha história

Em 1960, entrei em uma nova década, já casada, e, logo de inicio, me tornei mãe. E assim, continuo minha historia, agora mãe de três lindas meninas. Aliás, experiências novas e enriquecedoras. E, responsáveis, com certeza, por me tornar a mulher que sou hoje.

Educar três lindas princesas, ocupou meus anos seguintes. Era a época dos partos normais. E, no meu caso, sem anestesia. Além disso, antes de completar 24 horas depois do parto, já estava em casa, entregue aos afazeres domésticos. Percebi, então, que precisava amadurecer, e crescer como ser humano. Sabia agora, que os horizontes eram mais amplos. Eu tinha de ser digna para a tarefa de criação de valores humanos. Determinei ser vitoriosa, nesta tarefa que me fora confiada.

Vida a dois, três, quatro… ops, cinco

Quando me casei, deixamos Belo Horizonte e nos mudamos para Uberaba, no Triângulo Mineiro. Uma cidade interiorana, com atividades agropecuárias. No entanto, a ligação mais fácil era com o estado de São Paulo. Percorridos cerca de 190 km, chegávamos à fronteira com o estado. E, para chegar a Belo Horizonte, eram quase 500 km. Além disso, o acesso a São Paulo era mais fácil e melhor.

Nessa época, era tudo mais difícil. De Belo Horizonte a Uberaba, viajávamos o dia inteiro, de ônibus. Enquanto que, em poucos minutos, entrávamos no estado de São Paulo. Várias vezes saímos para viajar. Contudo, no contrapasso das atuais leis de transito, saíamos numa “lambreta”.

Era um lambreta igual a essa da foto.

Íamos, a família inteira, rumo à cidade de Franca. E lá, passávamos toda a tarde, às margens do Rio Grande, numa ‘pseudo’ pescaria. Solange, 4 anos, Sueli, 2 e a caçulinha, Sallete, com 1. As duas mais velhas iam em pé, na frente, com o papai. E, evidente, a caçulinha ia no colinho da mamãe.

Pela estrada afora…

Para manter minhas meninas atentas, íamos cantando, todas as quatro. Desse modo, eu começava: “Cadê minha vaca malhada…” e elas me seguiam: “procurei pela estrada, não encontrei a danada. Foi, foi, foi… a vaca malhada fugiu com o boi.”

Mas, o repertório não parava por aí: Eu: “Eu não tenho onde morar”. Elas: “É por isso que eu moro na areia…”; “Eu nasci pequenininha”. Daí, íamos alternando: eu e elas; “Como tudo mundo nasceu”; “Maria mora com os outros”; “mas quem paga o quarto sou eu.” E repetíamos.

Depois, outra: “Certamente para viver nessa agonia eu preferia ter nascido caracol”; “levava minha casa nas costas muito bem”; “e não pagava aluguel nem alugava para ninguém.”; “Morava um dia aqui, o outro acolá”; “Leblon, Copacabana, Madureira ou Irajá”. Era uma festa! Ou seja, lembranças doces que, ainda hoje, enchem meus dia de felicidade!

Ainda em Uberaba

Em Uberaba, vi minhas filhas darem seus primeiros passos, balbuciarem suas primeiras palavras e entrarem para a pré-escola. Vivi cada momento, na lida diária de dona de casa. Vida apertada, dinheiro curto.

Então, percebi que viver apenas para as lidas da casa, não seria o suficiente. Era um tal de lavar, passar, limpar, cozinhar, preparar as crianças para a escola. Assim, os dias se repetiam com o aumento dos afazeres e a diminuição do dinheiro. Era preciso crescer nosso poder aquisitivo. Eu deveria ter ganho próprio. Desse modo, poderia garantir a educação de minhas crianças.

Teria que começar por mim. Foi quando uma cunhada pré-adolescente veio morar em minha casa. Dessa forma, me convenci de que precisava trabalhar. Consegui emprego em um colégio. Entretanto, que horror! Naquela época, a empresa me exigiu “outorga uxória” ou marital. De nada adiantou minha decisão. Aliás, cabia ao homem o sustento da casa. E, aos olhos dos maridos, deixar a esposa trabalhar fora, era a confissão de sua insuficiência para sustentar a família. Imaginem isso para um policial militar. E lá se foi a solução para manter o equilíbrio de meu casamento.

Se não dá de um jeito, tentemos de outro. Afinal, a história de Irene, 8.0, continua

Resolvi, então, que voltaria a estudar. Eu havia me casado aos 17 anos. Decidi, revigorada, me matricular no curso “normal”. Ou seja, o magistério que me permitiria terminar o equivalente ao ensino médio. Além disso, me tornaria professora. E, à época, ser professora era a única profissão aceita para a mulher. Mas… de novo, meu marido voltou a interferir.

Aí não teve jeito. Então, dessa vez, eu me separei e voltei para a casa de meus pais, em Belo Horizonte. Minha família era bem humilde. Ter a filha mais velha de volta, oito anos depois, com as 3 netas, significava mais 4 bocas em uma casa de outros 8 filhos.

Foram anos difíceis e conturbados. Fico feliz. Afinal, posso falar deles, usando o verbo no passado. Continuei estudando à noite, enquanto fazia “bicos” para ajudar no sustento de todos na casa. Éramos 14 pessoas. Papai era o único com idade e condições para trabalhar. Eu, mamãe e meus irmãos adolescentes enfrentávamos todas oportunidades de obter algum ganho. Faxina, babá, manicure, lavar roupas de outras famílias…

A história de Irene, 8.0, continua.

E, assim, me tornei professora primária. Todo inicio de ano teria que encontrar uma escola onde pudesse ser contratada. Mas, maravilha, não fiquei mais sem trabalho. Entretanto, nunca era uma escola com condições dignas e adequadas. Por exemplo, eram distantes de onde eu morava, alunos muito pobrezinhos, escolas velhas.

Entretanto, anos depois, o município de BH abriu concurso para o preenchimento das vagas atendidas por contrato. Fiquei eufórica. Havia chegado a minha vez. Teria a minha vaga garantida por concurso público!

Enquanto a data da prova não havia sido definida, entrei, finalmente, de férias. Fiz uma pequena viagem. Mas, de repente, em tempo recorde , bem menor que o esperado, marcaram a data das provas. Joguei tudo na mala e corri para a capital. Não ia, e nem podia, deixar a oportunidade passar. Rigorosa, considerei ter viajado, uma irresponsabilidade!

Contudo, respirei fundo e fui. Eu chegaria a tempo. Cheguei de viagem e nem passei em casa. Me informei sobre o local das provas e segui para lá, confiante. Afinal, eu estava com as energias renovadas.

Dessa maneira, fui aprovada! E a vida seguiu, agora, com novos desafios. Meu próximo passo seria a FACULDADE. Ah, seria. Afinal, vocês se lembram? Era na faculdade que eu precisava chegar para garantir condição de vida digna a minhas filhas. Ao olhar para trás, quanta GRATIDÃO!

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