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A família e o diagnóstico de autismo.

Selma Sueli Silva e dr Caio Abujadi

Dr Caio Abujadi e Selma Sueli Silva conversam sobre o diagnóstico de autismo, durante o programa Mundo Autista. https://youtu.be/1t2hWdq_7z8

O diagnóstico chegou, e agora? Doutor Caio Abujadi fala sobre a importância da união da família, neste momento. Ele explica, ainda, sua afirmativa de que “Não sabemos cuidar de nossas crianças”. Por fim, ele fala da importância do diagnóstico, também, na fase adulta.

Selma Sueli Silva: A prosa quando é boa, a gente volta. Primeira questão: A família. Os pais receberam o diagnóstico do filho e ele está com quatro, cinco anos. A mãe e o pai estão pensando no trabalho e o restante da família desabou. O que o senhor pode falar para esse pessoal e para o restante dessa família? Essa criança teve seu diagnóstico de autismo no grau moderado.

Doutor Caio Abujadi: A primeira coisa que os pais precisam fazer é se alinharem, cuidarem de si. É entenderem esse processo dentro deles. Porque, geralmente, quando a gente concebe um filho, a gente não deixa a nossa mente tão livre, ou seja, a gente cria um ideal de filho em nossa cabeça. A gente cria um modelo de filho. E, muitas vezes, para não dizer a maior parte das vezes, esse modelo se quebra, ele não é real. Só que, dependendo das vezes, esse modelo vai se quebrando lentamente ao longo da vida, de uma forma gradual.

Quando acontece o diagnóstico de autismo, essa quebra é súbita. Esse choque, às vezes, provoca uma alteração. Dependendo da minha resiliência, da minha capacidade de suportar isso e se isso pode me causar uma patologia, isso pode me desorganizar. Então, a primeira coisa é: olhe para si. É aquela história da máscara do avião: você não coloca a máscara no seu filho antes de você. Porque se você colocar primeiro na dele, pode ser que você vá antes. Então, você coloca em você, foque em você e depois, vá para o seu filho. O trabalho é importante porque ele é a fonte de renda, de organização da família, mas ele não é o mais importante. O mais importante é a família. Sempre. E é o amor. Então, o amor é a energia que movimenta, é a energia que cria. Essa é uma discussão filosófica que a gente pode passar horas conversando, mas o amor não é só um sentimento. Ele é uma energia, ele é uma força. Gandhi fez a independência da Índia por amor, sozinho e com uma greve de fome. Olha a força da energia daquela pessoa naquele momento. Nelson Mandela, em 30 anos naquele movimento (apartheid), consegue unir, na África do Sul, pessoas que se odiavam. E pelo amor, ele conseguiu juntar tudo aquilo. Então, o amor pode tudo. Depende da força que se dá a ele. O amor de uma família, de uma mãe e de um pai e de um filho, é um núcleo energético que é muito mais forte que uma bomba nuclear. O grande problema é que a gente não sabe utilizar essa força. A gente despende ela aleatoriamente, em várias coisas, principalmente quando a gente está ansioso, agoniado, angustiado. A gente vai soltando essa energia e essa energia vai sendo desperdiçada. E aí, nós nos sentimos fracos, impotentes, incapazes, insatisfeitos e às vezes, a gente tem vontade até de desistir da vida, não é isso? O amor, se você não gastar aleatoriamente, se você deixar acumular em você, ele é uma força que transforma tudo. E essa força é a única força que vai desenvolver o teu filho. Essa é a única força. O resto é o que vai ser construído por essa força. “Ah, mas e o meu trabalho?”. Ele vem dessa força. “Ah, e minha harmonia com minha mulher?” Ela vem dessa força. “E o desempenho com meu filho?”. Ele vem dessa força. “E as terapias?”. Tudo vem dessa força. E o médico, a clínica, os esforços? Tudo vem dessa energia. Então, essa energia vem concentrada. A família tem que se unir. Porque a família é uma fonte desse amor.

E o que acontece na maior parte das vezes é o oposto. Então, a família rui. E aí, o que acontece é que as pessoas ficam catando os pedaços por aí: do coração, da consciência, do filho, e não tentam buscar em outras situações, a sua felicidade. E aí, elas se perdem, muitas vezes. Ninguém está falando para as pessoas morarem juntos, porque às vezes, o casal não consegue morar junto. Não tem problema, mas o amor não pode acabar. Eu posso ser separado da minha mulher, mas se amo minha família mais que tudo, eu construí um milagre. Só que as pessoas não conseguem ver isso.

Então, a primeira coisa é eu estar bem porque se eu não estiver bem, eu não dou força para esse amor, eu não dou direcionamento para esse amor. Quem toma essa decisão é a minha inteligência e a minha razão. Se minha inteligência e minha razão estiverem adoecidas, eu mesmo estiver doente, a inteligência e a razão vão ficar contaminadas por esse vírus mental que vai contaminado tudo. Esse vírus mental vai me fazer tomar decisões com urgência e tomar decisões erradas. E aí, essas decisões erradas vai me minar, eu vou usar esse amor da forma errada. Então, isso é muito importante, a gente tem que se unir. “Ah, mas o outro é isso, aquilo.” Não tem problema. Se une, porque é a hora da união. A união faz a força, não é isso?

Selma Sueli Silva: O que torna qualquer situação mais leve.

Doutor Caio Abujadi: Porque, na hora que eu estou forte, que eu sinto esse amor em cima de mim, eu construo o que eu quiser. Eu costumo dizer que a construção, o desenvolvimento precisa de três coisas: a primeira é o amor. A segunda, a técnica. O aprendizado. quando a situação é nova, eu vou ter que aprender. E a terceira coisa, tão importante quanto as outras duas é a paciência, porque as coisas vão vir quando elas tiverem que vir. Eu não posso jogar toda a minha energia no primeiro ano, sendo que eu tenho coisas para enfrentar nos próximos 25 anos. E seria assim para qualquer criança, para qualquer desenvolvimento, certo? Eu teria que jogar a mesma energia, a mesma força, só que eu acabo me preocupando quando o meu filho apresenta alguma dificuldade. Se meu filho não tivesse dificuldade, eu não jogaria esse ímpeto e toda essa energia e aí, chega no final desse desenvolvimento, desse laço, vamos perdendo nosso filho, para esse ambiente tóxico que ele convive. Perdemos para as drogas, para os relacionamentos, pra noite, para as festas, para as coisas erradas, para os relacionamentos que ele não tem força para se relacionar. A gente perde nosso filho para a namorada, para o namorado, ele se desestabiliza, às vezes, perde a vida, porque eu não joguei essa vida de amor que eu jogaria se ele, vamos dizer assim, não fosse autista. Então, o autismo veio para mostrar para as pessoas que nós precisamos nos fortalecer em família e nos unirmos. Porque para todo mundo isso é necessário. Para o autista, isso é indispensável. Porque sem isso, ele sofre em demasia e aí o desenvolvimento não vinga, não acontece.

Selma Sueli Silva: Pois é doutor, perfeito. Amei. Agora, eu vou colocar o senhor diante de outra situação: na minha família, o Victor foi o primeiro autista diagnosticado, depois, eu e vieram outras pessoas que optaram ou não pelo diagnóstico, porque já eram adultos. E eu pergunto ao senhor: qual é a importância do diagnóstico para o adulto?

Doutor Caio Abujadi: O adulto, e isso vale para todos os adultos e todos os diagnósticos, TDAH, ansiedade, depressão, os adultos, nós viemos de uma sociedade que não sabe cuidar de crianças. Quais crianças? nenhuma.

Selma Sueli Silva: A gente não sabe cuidar do nosso futuro?

Doutor Caio Abujadi: Não. Por isso, temos uma epidemia de saúde mental. Nós temos adultos doentes. Nossa sociedade é composta de adultos adoecidos. Por quê? Porque não sabemos cuidar das crianças. Crianças que crescem mal cuidadas, são adultos adoecidos é óbvio. Isso está mais do que provado pela ciência, não sou eu quem estou falando isso, você pode ver os dados. Uma sociedade que você tem 40% da sociedade economicamente ativa, com uma doença para tratar, quase a metade, tem alguma coisa errada, não tem? Os dados são maiores, mas a gente não consegue computar. Isso é um problema de criação. Por quê? É por causa daquilo que a gente conversou na nossa última entrevista com o Victor. Nós temos um padrão, nós queremos nos colocar em um padrão de que nós somos ótimos, maravilhosos, que nós não temos problema nenhum. E isso é um problema. A gente começa a sofrer, a gente vai ao psiquiatra, ao psicólogo para encontrar respostas, o porquê que a gente está daquele jeito. E a gente não entende. Eu fico tão assustado quando alguém chega no meu consultório, e fala “Ah, mas a criança está com cinco anos, tem o espectro do autismo, mas ela está tão leve, está tão normal que eu vou tirar do espectro”. Agora não tem autismo. Só que, com cinco anos de idade, o desenvolvimento nem começou. Então, vão ter dificuldades com 8, 9, 10, 11 e quando a criança está com 15 anos com depressão, com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), com um tanto de coisa esses pais nem se lembram daquele passado. E aí a criança vai ser tratada por TOC, depressão e não vai tratar a causa de fato. Não vai conseguir se tratar como outros de sua idade, porque essa pessoa é muito mais sensível, tem um padrão, um perfil diferente de desenvolvimento que precisa desse olhar. E aí aquela criança ele vai se desenvolver em um adulto e esse adulto não entende o que ele tem, por que ele adoece mais rápido que as outras pessoas, porque que ele tem que levar uma vida diferente. Se você não conta para um diabético que é diabético desde criança, com 15 anos, ele vai comer açúcar e o que vai acontecer: ele vai entrar em coma. Então, é a mesma coisa. Quando eu descobri que eu tinha déficit de atenção e hiperatividade, eu estava na faculdade. O que eu sofri, porque eu era um garoto mal-educado. Sorte que eu era amoroso e afetivo, e algumas pessoas diziam: “ah, que bonitinho. Ele é mal-educado, mas ele é uma graça. Ele faz xixi no lixo da sala, mas olha só que bonitinho. É uma graça. E tem altas habilidades, o garoto, ele vai bem na escola.”. Tive sorte, mas eu apanhava todo o dia, porque era mal-educado, porque eu não sabia esperar a minha vez, porque eu derrubava tudo o que eu pegava. Depois, eu descobri que isso era déficit de atenção e hiperatividade, só que eu já era adulto. E aí, eu pensei: “Poxa, se tivessem me avisado antes que eu tinha uma dificuldade, eu poderia até entender.”. E isso vale para todos nós.

Todos os pacientes no espectro do autismo que chegam no meu consultório adultos, eles tem outras coisas, a gente não precisa fechar esse raciocínio, porque o cérebro, por ser um órgão, ele apresenta sintomas parecidos e que leigo às vezes, não reconhece. Muitos que chegam se considerando autista realmente são, mas outros não. Quando eu li o Tratado de Psiquiatria* pela primeira vez, eu achei que eu tinha tudo aquilo.

Selma Sueli Silva: Quem nunca?

Doutor Caio Abujadi: Exatamente. Quando eu fui ver na prática, eu entendi que a coisa era um pouco diferente. Então, o adulto tem que se entender. “Por que eu passo dificuldade?”. Quando eu me entendo, é um norte, é um caminho, um programa de autoentendimento, de autoanálise. Tudo tem que ser feito no tempo certo, da forma certa, com delicadeza, com a paciência e com técnica. Não é também para sair “vomitando” o diagnóstico para todo mundo. Porque a gente vê por aí, isso também. Tem médico que fica 5 minutos com o paciente. Nem olha para o paciente e dá um laudo. O paciente chega em casa e “nossa, eu sou autista”. Quer dizer, o médico nem olhou para a cara dele. Então, também não é assim. Teremos os dois lados da moeda. A gente tem que ter compaixão, amor para com as pessoas.

Selma Sueli Silva: O que eu tenho a dizer é que eu fui uma pessoa muito abençoada. Porque, a médica que me diagnosticou seguiu uma série de protocolos e vários testes e eu tive uma boa sorte porque eu tenho professores vivos, eu tenho mãe viva, pai vivo, tios vivos, o meu filho, que convive comigo, e eu tinha uma preciosidade: meu diário desde os 10 anos de idade. Minha mãe leu aquilo e disse: “Minha filha, onde eu estava que eu não te conheço?”. Mas quando o psiquiatra conversou com ela, ela pode confirmar situações de minha infância. É um resgate de algo que tem que ser com paciência, com tranquilidade, com muito respeito, porque é uma coisa muito séria, uma coisa que diz sobre a personalidade da gente.

*Tratado da Psiquiatria Clínica é livro que aborda com amplitude da psiquiatria. Sua primeira publicação foi em 2003.

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