Selma Sueli Silva
Depois de uma segunda-feira tumultuada por escalas, conexões, troca de aeroporto e extravio de malas, na terça estava com horário agendado às 11h30 na Prodemge, no bairro Lourdes.
Entrei no Uber agradecendo pela possibilidade de ser deixada na porta de meu compromisso. A cabeça formigava, os pensamentos passavam como trem bala em minha cabeça. Tudo me incomodava. Depois de algum tempo, resolvi sair do estado de alerta e encostar a cabeça no encosto do banco. Fechei os olhos.
Pouco depois ouvi a voz do aplicativo dizendo: Selma chegou a seu destino. O motorista parou e disse: é aqui. Abri os olhos, estava na Rua da Bahia. De imediato identifiquei a rua na qual eu havia passado há pouco mais de um ano, muito transtorno na ida à Receita Federal, o que me fez desistir de meu direito à isenção do IPVA. Já falei antes: o cenário e a burocracia enfrentados no serviço público me deixam transtornada antecipadamente.
Desci do carro tentando reconhecer o prédio. Estava diante do número 2244. Não. Deveria ser mais à frente. O número que eu deveria procurar era o 2277. Mas a essa altura já estava refém de um fim de semana intenso e da antiga sensação vivida naquele mesmo lugar, tempos atrás.
Não reconheci o prédio. Percebi que o quarteirão inteiro era do Minas Tênis Clube. Pensei nas pessoas que frequentavam o lugar. Tentei o próximo quarteirão. Já passava para 2560. Droga! A sensação de estar perdida, ver os números e não compreender nada me deixava com aquele sentimento de vulnerabilidade que odeio.
Uma senhora me para, diz que é do interior, conta uma história triste de um implante feito na capital, da carteira roubada e da necessidade de ajuda. Foi difícil me concentrar em suas palavras. Só consegui dizer, quase chorando: “Desculpe, não ando com dinheiro”. E continuei quase sem me dar conta: “Sou autista, tenho um horário agendado na Prodemge, estou perdida, tentando entender por que o Uber não me deixou no lugar exato, como sempre acontece”. A mulher perguntou: posso te ajudar? Respondi que não, que só precisava de um tempo para pensar.
Joguei o número no Google Maps e aí me dei conta de que era do lado ímpar da rua, e eu estava no lado par. Tive raiva de mim mais uma vez, por me complicar com coisas bobas. Atravessei, voltei na rua e lá estava o número bem onde o motorista havia me deixado. Só que do lado esquerdo e não do direito. Amaldiçoei baixinho o piloto automático que me faz ficar nervosa com compromissos novos e ao ouvir a frase “é aqui”, registrar “é aqui e ponto”, neste exato local. Como não era, já não consegui perceber sequer que estava do lado par. Meu cérebro fez ligação com a sensação de um ano atrás que aquele lugar me trouxe e eu segui os passos daquela época. Droga!
Respirei fundo e decidi, como estratégia, que eu estava chegando ali, naquele instante. Fiquei aliviada por reconhecer os números enormes na fachada 2277. Dirigi-me à recepção e a moça me deu o crachá, ensinou como destravar a catraca e apontou para fora. Gelei. Devia ir num tal prédio 1. Já antevi a moça apontando e falando em viradas à esquerda e à direita. Não conseguiria acertar sequer uma direita ou esquerda naquele momento. Respirei fundo, novamente, e disse baixinho: “Sou autista, pode me explicar devagar e com calma?”. “Claro”, ela disse de maneira simpática. Abriu a porta e me mostrou uma faixa azul no chão. Era só seguir por ela que chegaria ao prédio 1. Que alívio. Sinalizado, e bem sinalizado, vou a qualquer lugar. Percebi que me equilibrava em cima da faixa e ri sozinha. Já estava mais calma, percebi que não precisava andar certinho, em cima da faixa.
Esse estado de alerta que nós, autistas, temos que manter o tempo todo para dar conta das tarefas ditas simples, pode ser algo bem exaustivo. Consegui ser atendida e resolver tudo, contando com a competência e gentileza da funcionária Helenice. É. Cansa mesmo. Mas pode se tornar bem mais fácil quando uma instituição como a Prodemge se preocupa com os visitantes e as atendentes estão preparadas para um atendimento individualizado, respeitando cada pessoa, acima da necessidade de um atendimento pasteurizado. Que empresas e pessoas assim sejam cada vez mais presentes neste nosso fascinante mundo da diversidade humana!
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.
Hahaha…ai parece eu!!! É fogo, amiga…