Victor Mendonça e Selma Sueli Silva
Victor Mendonça: “Amor no Espectro” é a nova série do Netiflix, em formato de Reality Show, com 5 episódios, que aborda de maneira humorada mas também com muita responsabilidade, a questão dos relacionamentos amorosos na vida do autista. Uma iniciativa muito bacana porque as pessoas costumam esquecer que o autista cresce e que essa demanda vai surgir em algum momento da vida dele.
Por outro lado, essa abordagem numa série de televisão é sempre muito delicada. Isso porque conforme eu estudo no meu mestrado em textualidades midiáticas, qualquer narrativa, embora seja uma ferramenta potente para comunicar esse infinito da linguagem e do mundo, mas qualquer narrativa tende a ser insuficiente e até inacabada. O objetivo da narrativa é tomar um mundo plural e heterogêneo e contar sobre ele de uma maneira que faça sentido. Qualquer produto televisivo ou midiático sempre vai ter essa dificuldade na narrativa, pela complexidade tanto por causa dos graus do autismo dentro do espectro mas também pela pluralidade de pessoas autistas, pois não existem dois autistas iguais.
Eu e minha mãe maratonamos a série juntos e nos surpreendemos, pois a série consegue fazer a síntese da heterogeneidade, (essa missão quase impossível). É claro que sempre haverá margem para discussões quando o mundo de quem assiste se choca com o mundo de quem criou a série. Mas o “Amor no Espectro” consegue ser muito mais próximo a uma representação fiel da realidade do que séries ficcionais como “Atypical” ou “The Good Doctor”. Eu penso que isso tem a ver com o caráter documental da série porque permite a exibição da experiencia de vários autistas, muito diversos entre si. Desde os mais extrovertidos até os que tem maior dificuldade em alguma área, outros que são mais sutis, há aqueles que estudam o comportamento humano mas quando querem colocar o aprendizado na prática não o fazem com tanto traquejo. A série consegue retratar tudo isso de maneira bem humorada, leve e divertida.
Eu, como pesquisador da acessibilidade amorosa para autistas, sei que quando se trata de autismo e romance é claro que vai haver sofrimento, dor contida, mas a série surpreende por essa pegada leve e lúdica, e muito responsável. Tudo isso me levou a pensar em minha mãe que é muito extrovertida. Você se identificou com algum personagem da série, mamãe?
Selma Sueli Silva: Sim, me identifiquei e fiquei incomodada com isso. Senti um certo desconforto já que retrata a realidade, você vê o autista como ele é, cada um do seu jeito. Dessa forma, eu me vi, quando mais jovem, na Olívia, aquela de cabelinho vermelho. O caso de ser extrovertida, dá para perceber que ao falar demais, rir muito, estamos adotando uma forma de defesa quando estamos sem graça ou muito nervosa.
Fiquei incomodada também de perceber que como uma das meninas da série, que não tinha amigas, resolveu ter sempre um namorado. Era exatamente isso que eu fazia, e foi uma violência para mim, perceber o quanto eu sofri para me moldar e adequar para ser “a namorada” para conquista um namorado.
Victor Mendonça: Realmente há margem para muitas discussões, para o “e depois?”, que me referi com o estudo das textualidades midiáticas. É bom conhecer a sua visão e a minha, como jovem, com o gás mais romântico. Eu não me senti incomodado. Embora, no jantar de um casal, o fato do garoto se enrolar com os talheres, me lembrou a mim mesmo e minha dificuldade motora.
Selma Sueli Silva: Nessa hora, eu achei legal porque as pessoas podiam acreditar que a menina também ia ficar incomodada com isso. Mas não, isso não contou para ela. É interessante perceber que o que é valor para um, pode não ser para o outro. Outra coisa, os filhos autistas podem não querer ver a série com suas mães pois eles podem ficar incomodados em ver suas dificuldades retratadas ali.
Victor Mendonça: Eu tinha dificuldade com obras que abordavam o autismo. Essa, talvez por causa de meu hiperfoco na minha pesquisa sobre acessibilidade amorosa para os autistas, talvez essa série tenha me encantado mais, além de ser muito bem feita. Há uma pluralidade de orientações sexuais, de etnia, de personalidades o que enriquece muito a obra. A vida real é sempre mais interessante que a ficção. Lembrando que a narrativa, mesmo que documental, ela precisa de elementos subjetivos em sua construção, para amarrar todas as ideias. E serão esses elementos que vão ser percebidos ou interpretados de formas diferentes por quem criou a obra e por quem está assistindo, de acordo com a bagagem de cada um.
Selma Sueli Silva: Mas o mais importante é perceber toda a riqueza do ser humano. A minha parte predileta na série foi o encontro de um autista com uma menina com paralisia cerebral. Não vou falar mais nada para não dar spoiler, mas vale a pena.
Victor Mendonça: A gente não poderia deixar de falar dessa série que tem mexido tanto com a comunidade autista por ter conseguido capturar esse universo autista com sensibilidade, pois o ser humano é, de fato muito rico.
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