Arte e entretenimento

The Traitors: Um Jogo de Engano e a Complexa Camada do Masking

The Traitors” conquistou o público com sua premissa eletrizante: em um grupo de participantes, alguns são secretamente designados como “Traidores”, enquanto os demais são os “Fiéis”. O objetivo dos Fiéis é descobrir e banir os Traidores antes que sejam eliminados. Os Traidores, enquanto isso, tramam nas sombras para chegar ao fim e levar o prêmio em dinheiro. Inspirado em jogos clássicos como Máfia e Lobisomem, o reality show tece uma teia fascinante de suspense psicológico e estratégia pura.

A Tensão Constante: O Coração de The Traitors

Um dos elementos mais cativantes do programa é a atmosfera de desconfiança onipresente. A dúvida sobre quem é sincero e quem esconde um segredo paira sobre cada interação. Cria-se, dessa forma, um ambiente de paranoia palpável. As dinâmicas sociais são levadas ao limite. Assim, as alianças nascem e se desfazem, impulsionadas por intuição, observação e, muitas vezes, meras suposições. Em The Traitors, a leitura das pessoas e a capacidade de discernir a verdade da mentira são habilidades cruciais para a sobrevivência no jogo.

Masking em The Traitors: Uma Estratégia de Dupla Face para Participantes Autistas

Ao analisarmos o conceito de masking dentro do contexto de The Traitors, podemos vislumbrar como essa prática, comum em algumas pessoas autistas, poderia se manifestar e quais seriam suas implicações no intrincado jogo de engano e detecção.

Masking, ou camuflagem social, refere-se ao conjunto de estratégias, conscientes ou inconscientes, que indivíduos autistas utilizam para mascarar ou suprimir características autísticas e se adequarem às expectativas sociais de pessoas neurotípicas. Essa adaptação pode envolver desde imitar comportamentos sociais e forçar o contato visual até suprimir maneirismos (como o stimming) e internalizar o desconforto em situações sociais.

Em The Traitors, o masking poderia se apresentar como uma ferramenta complexa e paradoxal para um participante autista:

Uma Vantagem Paradoxal: A Arte de se Misturar

  • Camuflando a neurodivergência: Um participante autista com experiência em masking pode conseguir se integrar ao grupo neurotípico. Dessa forma, ele evita ser percebido como “diferente” ou “estranho”. Em um jogo onde a desconfiança é um elemento central, não se destacar pode ser uma vantagem significativa, tanto para Fiéis quanto para Traidores.
  • Imitando comportamentos de confiança: Por meio do masking, um jogador autista poderia replicar comportamentos socialmente associados à confiabilidade e honestidade (mesmo que isso não reflita seu estado interno). Com isso, pode conquistar a confiança de outros participantes.
  • Adaptando-se às dinâmicas sociais: O masking pode permitir que um participante autista navegue pelas complexas alianças e interações sociais do jogo. O que acontece mesmo que isso demande um investimento mental considerável.

Desvantagens e Vulnerabilidades: O Custo Oculto da Camuflagem

  • Custo energético elevado: O masking é uma prática extremamente desgastante. Isso porque requer um esforço cognitivo significativo. Em um ambiente de alta pressão e vigilância constante como The Traitors, o esforço contínuo para manter a “máscara” pode levar à exaustão mental e emocional (burnout autista). Isso comprometeria a capacidade de concentração, tomada de decisões e análise das situações.
  • Dificuldade em manter a consistência: Sustentar uma fachada por longos períodos, especialmente sob estresse, pode ser desafiador. Inconsistências no comportamento ou lapsos no masking podem ser erroneamente interpretados pelos outros jogadores como sinais de engano ou comportamento “suspeito”. O que tornaria o participante um alvo para banimento, mesmo que ele seja um Fiel.
  • Sobrecarga sensorial e social: O ambiente intenso e socialmente carregado de The Traitors apresenta nterações constantes, ruídos e a necessidade de processar informações sociais complexas. Portanto, pode ser particularmente desafiador para pessoas autistas. O masking pode intensificar essa sobrecarga. Afinal, o indivíduo está simultaneamente tentando processar o ambiente e manter uma fachada social.
  • Dificuldade em formar conexões genuínas: O masking pode dificultar a formação de laços autênticos com outros jogadores, baseados em aceitação e compreensão mútua. Isso pode isolar o participante e torná-lo mais vulnerável à eliminação, especialmente se as decisões de banimento forem influenciadas por “feeling” ou intuição social.
  • Interpretações equivocadas: Comportamentos autênticos que escapam ao masking (como evitar contato visual, padrões de fala distintos ou a necessidade de stimming) podem ser mal interpretados por jogadores neurotípicos como sinais de nervosismo, desonestidade ou evasão, gerando suspeitas injustas.

Conclusão: Navegando no Jogo das Aparências

Em resumo, o masking em The Traitors representaria uma faca de dois gumes para um participante autista. Embora possa oferecer uma forma de se integrar superficialmente e evitar a detecção inicial, o alto custo energético e a dificuldade em manter a máscara sob pressão poderiam torná-lo uma estratégia insustentável e potencialmente prejudicial a longo prazo. A capacidade de um jogador autista de prosperar no jogo dependeria de uma complexa interação entre suas habilidades de masking, sua capacidade de análise lógica e a percepção e compreensão dos outros participantes. A experiência certamente lançaria luz sobre os desafios adicionais que pessoas autistas podem enfrentar em ambientes sociais complexos e repletos de expectativas neurotípicas.

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Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.

Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça.

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