Selma Sueli Silva
Atenção: esse texto contém spoilers
Nesta semana teve grande repercussão a apresentação dos dois primeiros episódios da série “The Good Doctor”. A série conta a trajetória de um jovem cirurgião diagnosticado com síndrome de Savant e autismo. Ele é recrutado para trabalhar na ala pediátrica de um hospital de prestígio.
Interessante notar que, nos casos do autismo, algumas características podem ser percebidas com mais facilidade. O pesquisador norte-americano Bernard Rimland, do Autism Research Institute (Instituto de Pesquisa do Autismo) – em San Diego, Califórnia – afirma que quando ocorre um dano no hemisfério esquerdo do cérebro, o hemisfério direito é compensado pela perda ocorrida.
Rimland analisa ainda que, no caso dos diagnosticados com a Síndrome de Savant, as pessoas autistas demonstram habilidades que estão concentradas no hemisfério direito do cérebro: cálculos, matemática e música. Por outro lado, a parte esquerda do órgão é afetada com os déficits de linguagem e fala. Paradoxalmente, há casos em que o autista desenvolve grande facilidade para os idiomas.
O personagem da série, apesar de seu incrível conhecimento na área da medicina, não consegue entender para se relacionar com o mundo à sua volta.
E é isso que a gente viu nesses dois primeiros episódios.
A falta de estrutura familiar e a perda precoce do irmão restringiram as chances de estímulos para o desenvolvimento das relações sociais, coisa que é colocada à prova quando o personagem entra para o mercado de trabalho.
Esse é um dos grandes desafios para uma família que tenha um membro autista. Isso porque o autista tende a absorver as situações vividas e transformar em regras. Como acontece na cena da chuva, das luzes do giroflex da viatura policial e quando ele justifica o motivo para querer ser médico.
Na infância e adolescência, o mentor do personagem era o irmão mais novo, que decodificava o mundo familiar à sua volta, bem como reforçava as habilidades do futuro médico.
Há uma cena em que o pai bate no personagem após ele ter sido expulso de mais uma escola
O personagem Shaw era ligado a um coelho. Talvez isso aconteça pelo fato de os animais não imporem nada na troca afetiva e simplesmente receberem e corresponderem ao afeto recebido de uma forma terna e sem grandes imprevistos.
Na cena da morte do irmão, da decisão se vai ao não para o conselho tutelar, o personagem se desorganiza e entra em crise.
A colega médica não entende porque o personagem não responde as suas perguntas, e responde, por exemplo, a algo que ela não perguntou. Ela pergunta ao mentor como vai se comunicar com Shaw desse jeito e ele responde: “apenas o observe”. Então ela percebeu que o colega não gosta de perguntas diretas. Talvez, por causa do pai que fazia em sua infância muitas perguntas às quais ele não tinha condições de responder.
É o que percebemos nas observações que Shaw faz sobre os colegas, com eles mesmos. Isso não significa que será assim para sempre. Aos poucos o autista entende essas regras sociais. O personagem pergunta ao mentor porque é importante ter crédito de uma ideia, já que o objetivo havia sido cumprido: uma vida foi salva. O mentor responde que serão esses créditos que vão afastá-los dos serviços braçais no hospital. Algo que as pessoas sem autismo aprendem intuitivamente é preciso ser explicado para o autista entender.
Há também o momento em que ele descreve três reações contraditórias da colega e pergunta em qual delas ela foi verdadeira. Isso também tem que ser explicado para ser entendido.
Observamos isso na cena em que ele se deita à noite e levanta pela manhã sem ter fechado os olhos. Também na cena em que ele diz que não vão poder levantar voo após ligar as informações com o noticiário que ele havia ouvido pela manhã.
Por fim, vemos o preconceito no mercado de trabalho, onde os colegas negam o desconhecido, diferente, sem dar a ele nem uma chance sequer. Mesmo de onde, em tese, o preconceito não poderia vir, como no caso de um médico afrodescendente. De maneira contrária à lei do universo, o diferente é incapaz até que se prove o contrário, e não vice-versa.
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Selma, assisti ao filme e gostei demais. Impressionante como você analisou toda a história, inclusive seu personagem principal. Não percebi boa parte das coisas que voce observou. Filmes como este nos ensinam a conhecer e entender pessoas diferentes e, neste caso, pessoas espetaculares!
É assim mesmo. Eu vivo este fascinante mundo do autismo. E por isso é tão importante compartilhar. Mais informação, menos preconceito!
Selma minha querida, que prazer tive em conhecê-la e ao Victor! Parabéns pelo texto e pela análise do seriado. Um grande beijo no coração de vocês. Saudades!!!