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Tempos imprevisíveis na vida de um autista

Selma Sueli Silva

Estou trabalhando em casa, não posso ir à Rádio. Também não vou ao salão de beleza e nem às reuniões religiosas semanais. A mudança da rotina me tira o chão…

Coronavírus e o autista

Tempos sombrios esses do coronavírus, que muda nossa rotina, quebra toda e qualquer previsibilidade, tira o coletivo do equilíbrio e faz as pessoas beirarem à histeria coletiva.

Tudo isso afeta em cheio o equilíbrio do próprio autista que, como sabemos, precisa da previsibilidade e rotina. Além disso, não podemos nos esquecer de que a maioria dos autistas (crianças, adolescentes e adultos) lidam com uma ansiedade imensa. E como a ansiedade reduz a imunidade, temos grande parte dos autistas no grupo de risco.

Coronavírus e o autista criança (leia mais sobre isso aqui)

No caso das crianças autistas, elas já vão enfrentar um gatilho imenso para a crise que é a mudança de rotina. Mas elas vão reagir conforme o comportamento das pessoas que as cercam. Portanto, é importante que as famílias não fiquem com TVs, rádios logados perto das crianças autistas e nem conversem sobre seus medos e receios perto delas. Essas crianças sentem a atmosfera que as cerca e sentem o “medo” de forma intensificada.

Devemos ter cuidado especial com os autistas que levam tudo à boca, que lambem, e ainda não conseguem fazer sua própria higiene (o que vale para os adolescentes também.)

Neste momento, o pensamento lógico e a facilidade para seguir regras vão ajudar muito. Expliquem para elas o que está acontecendo, de maneira sucinta e descritiva, e diga sobre os cuidados que todos devem adotar a partir de agora. E, para entretê-las no período em que estão em casa, acompanhem pelo Instagram alguns perfis que vão fazer live de contação de histórias, além de dar asas à imaginação dentro do hiperfoco de seu filho.

Coronavírus e o autista adolescente

Essa é a pior fase da vida do autista. São muitas mudanças, um corpo que não entendemos e medos gigantescos. Dessa forma, o coronavírus vem para provocar ainda mais toda a insegurança e baixa autoestima dessa fase.

O adolescente vai procurar todas as informações sobre o assunto, uns vão parecer alheios e outros muito envolvidos. Fato é que a preocupação atinge a todos eles e provocam reações diferentes.

Dentro do que podemos considerar constante, temos a forma como essas informações serão processadas, já que o autista é literal e pode entender que todos nós vamos morrer em função de um vírus muito perigoso. Além disso, alguns TOCs podem se acentuar (muitos banhos, lavar muito as mãos, intensificar o isolamento social.

O importante aqui também é o acesso à informação precisa, sucinta, e evitar frases e comentários fatalistas. Quanto mais o autista entende o que se passa, menos ele corre o risco de um colapso. Propor que esta fase de recolhimento seja uma oportunidade para se aprofundar em algum hiperfoco produtivo, além da leitura e de uma boa lista de filmes, costuma ser um bom aliado. Tudo isso, muito bem planejado, dia a dia para evitar a ansiedade e o tédio – ótimos gatilhos para um colapso.

Coronavírus e o autista adulto

Os adultos buscam as informações de que precisam para lidar com esse momento da imprevisibilidade. Ainda assim, são vulneráveis ao estado coletivo de ansiedade, o que os torna mais taciturnos, sombrios. O cérebro lógico imediatamente tenta entender o que se passa e muitos deles começam a estudar exaustivamente o assunto, o que pode levar a uma crise de exaustão, já que temos um grande acervo de informações de fontes confiáveis ou não.

O momento de ansiedade coletiva intensifica a insegurança mesmo do autista adulto que passa a fazer um esforço redobrado para se controlar e não perder o foco nas ameaças reais.

Outros, contudo, demoram mais a entrar nessa onda de realidade e passam por ela como se fossem meros expectadores, não conseguem sentir o medo que a maioria sente. Normalmente, só sentem de fato a situação, quando acontece algo próximo a ele.

Quando falamos de autismo, falamos de traços que muitas pessoas têm, mas com uma intensidade muito maior, elevados à enésima potência. Então, com certeza, para os autistas, de uma maneira geral, esse momento está sendo um dos mais difíceis de suas vidas.

Coronavírus e eu

Eu estou trabalhando em casa, até segunda ordem. Sei que estamos vivendo um momento muito difícil, que só chegou a essa dimensão por causa dos três venenos: ira, avareza e estupidez. O diferencial aqui não é o tipo de vírus que se espalha, mas sim o tipo de ser humano que ele encontra no mundo, o que facilita a propagação da doença. Um ser humano individualista, egoísta, arrogante.

Em vez de correr ao supermercado, comprar o máximo de coisas que puder, sem se preocupar com o outro, faça o básico:

Cuide da higiene.

Saia somente se for imprescindível.

Evite aglomerações.

Mantenha a distância social.

Telefone, passe msg ou se comunique de maneira virtual com um parente ou amigo.

O coronavírus veio para testar a nossa humanidade, a nossa solidariedade. Só vamos vencer se conseguirmos funcionar em rede. Boa sorte!

Mundo Autista

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