Victor Mendonça
Roberto Mendonça é um dos principais nomes do jornalismo belo-horizontino nos últimos trinta anos. Foi editor geral do Jornal de Domingo e redator-chefe da TV Bandeirantes em Minas e um dos criadores do jornal Hoje em Dia, do qual foi editor de Cultura (por mais de 20 anos), Esportes, Economia e Capa ao longo de 26 anos. Como professor universitário, integrou o programa FAT do Governo Federal, ministrou aulas para turmas de diversos períodos dos cursos de Comunicação da PUC-MG e UNI-BH e foi paraninfo da primeira turma de Jornalismo do Oeste de Minas (Arcos-MG). Como escritor, escreveu poemas para o livro “Pássaros da Liberdade”, de Marcelo Prates, e publicou seus livros “Crônicas do Fim do Tempo” (com projeto gráfico de Marcelo Xavier e ilustrações de Mário Vale, edição integrante da Coleção Mineiriana como “obra de referência histórica sobre Belo Horizonte”), “Urucuia” e “Macaco Marx”. Seus textos são conhecidos e mereceram estudos em países como Portugal, Canadá, França e Estados Unidos. O escritor Roberto Drummond o tinha como “o pé-de-coelho” da crônica. O escritor Antônio Barreto o considera “o mestre da crônica”. Como editor autônomo, registrado na Biblioteca Nacional, já publicou mais de 50 livros com autores e temas diversos. Como músico, assina a direção artística, os arranjos e a interpretação de instrumentos solo para o projeto “Estação Calafate”, sobre o compositor João Mendonça. Atualmente, se dedica também à produção musical e às artes visuais. Nesta entrevista ele fala sobre o seu novo livro, “O Menino Artista”, que será lançado no dia 22 de março em Belo Horizonte, no Simpósio Internacional sobre Educação Inclusiva.
De onde surgiu a ideia de escrever um livro com um protagonista no espectro do autismo?
A inspiração do livro é o meu filho, Victor. De todo modo eu tinha o desejo de escrever um livro sobre o meu filho para as crianças, independentemente do fato de ele ser autista.
Como você definiria Arthur, o protagonista de “O Menino Artista”? Ele é parecido com seu filho, Victor?
Ele é o Victor, visto sob a ótica do sentimento paterno.
Este é o seu primeiro livro infanto-juvenil, após décadas de carreira como jornalista e escritor. Por que escolheu a narrativa para este segmento do público?
É muito importante que um autor escreva para as crianças e os jovens. Aos oito anos, tive uma professora, a Dona Leda, que elogiava minhas redações, que naquele tempo se chamavam composições, e as colava em um quadro no corredor da escola Margarida Brochado, no bairro Barreiro. Morei por três anos ali, há mais de cinquenta anos, e guardo a professora Leda com muito carinho e gratidão. Meu pai me dava muitos livros, sempre acompanhados de dedicatórias carinhosas. Agora quero retribuir de alguma forma o carinho e os estímulos que recebi quando era um menino.
Você é conhecido por obras repletas de profundidade e simbologias. Como foi adaptar seu estilo tradicional de escrita para o público infantil, sem perder a densidade?
Meu estilo não muda. Gosto de escrever no presente do indicativo, francamente, com simplicidade, procurando as palavras exatas. A diferença é que devemos considerar as limitações do vocabulário de leitores muito jovens, ainda em formação.
Quais reflexões pretende estimular para aguçar o senso crítico dos pequenos leitores, por meio do livro?
O livro trata de assuntos diversos, como a relação com as pessoas, o meio ambiente, a importância das artes na vida de todos nós, o preconceito, a necessidade de estar sempre aprendendo. Quero que os leitores reflitam sobre esses temas.
Você conviveu, por mais de 18 anos, com uma esposa autista e teve um filho também no Espectro. De que forma isso influenciou na escrita de “O Menino Artista”?
Essa influência limita-se à compreensão de capacidades e dificuldades específicas. O livro é sobre as pessoas, com seus problemas, virtudes e necessidades. E cada pessoa é única, seja ou não autista. Estabelecer uma distinção confrontaria as mensagens universais que pretendo passar.
Este é, também, seu primeiro livro em formato de história. De que maneira aproveitou sua bagagem, como cronista e poeta, para se aventurar em um novo gênero literário? E quais as principais diferenças no processo de escrita?
As diferenças se limitam à compreensão da experiência de vida e ao vocabulário que, de modo geral, é mais limitado para os mais jovens. Escrevi para as crianças com o mesmo cuidado e respeito com que escrevo para os adultos.
Como o humor crítico, característico em suas obras, se manteve nesta publicação voltada para o público infantil? Houve alguma adaptação na linguagem para atingir essa parcela do público?
Como disse antes, apenas no relativo à compreensão da experiência de vida e ao vocabulário.
“O Menino Artista” é dedicado a seu pai, o compositor João Mendonça, e ao seu filho, o escritor e jornalista Victor Mendonça, que se encontra no espectro do autismo. Em que medida esta é, também, uma história sobre paternidade e as relações entre pais e filhos?
Aprendi muitas coisas com meu pai, que não está mais entre nós, e aprendo muitas coisas com meu filho. Vejo muitas semelhanças entre nós, o que costuma me comover. O amor paterno se reflete na tentativa de sempre ajudar o filho, compreendê-lo, orientá-lo, mas somos limitados.
Você também assina as ilustrações da obra. Como foi o processo de elaboração dos desenhos e qual é o objetivo deles ao longo da narrativa?
Ilustrar um livro para os muito jovens é importante para tornar a leitura mais leve, para inspirá-los ao exercício artístico e para propiciar formas diferentes de interpretação do texto. Devo confessar que embora adore desenhar, desde criança, sou muito crítico com o meu trabalho de ilustrador. Prefiro as artes gráficas, os diagramas. Além disso, gosto mais quando utilizo o traço livre e abstrato, mas esse tipo de ilustração não seria adequado no caso de “O Menino Artista”. Como estamos nos servindo cada vez mais dos computadores, preferi utilizar um computador para produzir as imagens, preterindo o traço livre. Além disso, é uma forma de convidar as crianças a desenvolverem a arte digital. As ilustrações do livro são um misto de desenho manual e recursos digitais. Não sei até que ponto essas ilustrações serão bem recebidas, mas, mesmo que eu receba muitos elogios, ainda assim vou sempre olhar para os desenhos que faço e ter a sensação de que está faltando alguma coisa.
Que mensagem deixaria para pessoas que convivem com alguém no espectro autista?
É compensador viver com pessoas como o meu filho, as que têm autismo leve e conseguem vencer muitos obstáculos, sempre melhorando em todos os sentidos. Mas há casos graves em que a calma, a paciência, a compreensão, a dedicação e o respeito representam a grandeza de qualquer pessoa que conviva com os autistas. Em todos os casos, o esforço será sempre recompensado.
Quais são seus planos enquanto editor, jornalista, músico, artista visual e escritor?
Como escritor e editor, pretendo continuar publicando muitos livros, meus e de outros autores. Estou com um CD praticamente pronto, há dois anos, com composições musicais populares. Tenho trabalhado com a música em projetos de amigos, algumas trilhas, mas agora quero me dedicar ao meu CD de estreia. Além de produzir as capas e projetos visuais dos livros, estou trabalhando em uma exposição de gravuras que pretendo apresentar ao público em 2020. Do jornalismo ando afastado, depois de trabalhar por mais de trinta anos em redações. Na medida do possível, pretendo aproveitar o meu tempo com trabalhos artísticos.
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