Autismo

Relação amorosa no autismo

Ontem, eu comentei sobre aspectos da autonomia ligados à sexualidade. Hoje, quero escrever sobre a relação amorosa no autismo. Afinal, a pessoa autista pode apresentar condições coexistentes que dificultem essa interação. Ou mesmo, evidenciar certa ingenuidade. Ou seja, uma tendência a ser presa fácil para relacionamentos abusivos.

A gente, no entanto, precisa de afeto. Tanto no sentido do encontro com a outra pessoa, como do amor e da companhia. E, claro, sem esquecermos do aspecto sexual. Claro que existem pessoas assexuais. Elas também devem ser respeitadas. Em outras palavras, elas devem ser levadas em consideração. Há casos e casos e aspectos a serem avaliados.

Relação amorosa no autismo mexe com a gente

Entretanto, confesso: fiquei mexida com o último texto. E resolvi trazer o conceito de acessibilidade amorosa. Ele foi desenvolvido pelas pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sônia Caldas Pessoa e Mariana Cecília da Silva. Aliás, escrevi um artigo com a Sônia. Ela foi minha orientadora no Mestrado. Falava sobre o Transtorno do Espectro Autista e a Acessibilidade Amorosa.

Mas o que seria essa acessibilidade amorosa? As pesquisadoras partem do conceito desenvolvido pela própria Sônia, a acessibilidade afetiva. Essa acessibilidade parte de um princípio interessante. As relações comunicacionais entre pessoas com e sem deficiência são encontros em que a condição não implica em impedimento para a conversa/relação ocorrer.

Assim, a única barreira que haveria seriam os próprios acordos entre as pessoas envolvidas. Nós colocamos limites nas relações com as pessoas, de acordo com nossos desejos. Já a acessibilidade amorosa expande esse conceito. Ela leva em consideração a possibilidade de as pessoas com deficiência despertarem interesse e atração em outros indivíduos.

Desse modo, a partir do interesse, haveria uma troca, uma relação. O sujeito com quem a pessoa autista vai se relacionar, não deve carregar o papel de um cuidador. Ou mesmo ser uma extensão da própria pessoa. Deve, certamente, ser alguém que mantenha uma relação de igual para igual.

Minha relação amorosa e o autismo

Então, pensando na minha própria experiência, confesso que me identificava com alguns comportamentos da personagem autista Benê. Uma garota das séries “Malhação: Viva à Diferença” e “As Five”.

Em um determinado capítulo, ela beija um amigo. Depois disso, Benê fica na dúvida sobre o status da relação entre eles. Então, eles eram crushes, ficantes ou namorados? Para Benê, uma simples amizade não englobaria um beijo daquele.

Assim, o autista experiencia a realidade de forma concreta. Por outro lado, o amor apresenta caráter mais abstrato. É um sentimento difícil de traduzir em palavras. Nos meus inícios de relacionamentos, eu senti essa confusão. Qual é o status desse relacionamento? Além disso, existem outros fatores relevantes à essa discussão. Por exemplo, no amor e sexualidade no autismo, como ficariam as sensibilidades sensoriais? Mas, independente disso, todos nós temos o direito de construir um relacionamento amoroso com alguém.

“Transtorno do Espectro Autista e Acessibilidade Amorosa

No artigo, “Transtorno do Espectro Autista e Acessibilidade Amorosa”, chegamos à conclusão de que não existem fórmulas prontas para o amor. Muito menos para a acessibilidade amorosa. Isso, no entanto, não nos exime da responsabilidade da reflexão: como podemos ser mais acessíveis em nossos encontros cotidianos? E nos nossos relacionamentos?

A gente merece o amor. E não um amor que traga, no pacote, a violência. Aliás, qualquer que seja essa violência. Amor e violência não combinam. Merecemos olhar para nós mesmos e descobrir nosso próprio prazer. Não é sobre como a gente vai agradar o outro. A descoberta deve ser em conjunto. Descobrir, com o outro, essa coisa gostosa que é o amor. Numa via de mão dupla, claro.

Sophia Mendonça é jornalista, desenvolvedora e escritora. Além disso, é apresentadora e mestre em Comunicação pela UFMG.

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