Sophia Mendonça
Ser LGBTQIA+, no Brasil, é viver à mercê de sofrer violências físicas e simbólicas. Muitas vezes as pessoas, até mesmo próximas, têm uma retaliação velada disfarçada de preocupação. Os discursos de que nós “escolhemos” esse caminho tortuoso, a despeito de que ser LGBTQIA+ não é escolha, por exemplo, abrem precedentes para nos tornarmos ainda mais vulneráveis nessa estrutura social mais ampla.
Fui diagnosticada autista aos 11 anos de idade (hoje tenho 24) e, há menos de um ano, iniciei a minha transição social para finalmente me expressar como a mulher trans que sou. O bullying que sofri em minha infância e adolescência foi, sim, potencializado por desafios na comunicação social e um comportamento “esquisito” aos olhos alheios característicos a pessoas autistas. Contudo, a raiz desses preconceitos vinha pelo fato de eu performar uma feminilidade que não era esperada nem desejada, e por isso, para essas pessoas, eu deveria ser rejeitada, criticada e ridicularizada.
Ser LGBTQIA+, no Brasil, é viver à mercê de sofrer violências físicas e simbólicas. Muitas vezes as pessoas, até mesmo próximas, têm uma retaliação velada disfarçada de preocupação. Os discursos de que nós “escolhemos” esse caminho tortuoso, a despeito de que ser LGBTQIA+ não é escolha, por exemplo, abrem precedentes para nos tornarmos ainda mais vulneráveis nessa estrutura social mais ampla.
A comunidade LGBTQIA+, nesse sentido, tem uma importância crucial à sociedade, primeiro porque evidencia que somos pessoas como qualquer outra, apenas com maneiras não normativas de expressar o amor e/ou a autopercepção. Assim, como parte da naturalidade e da diversidade humana, merecemos o mesmo respeito que toda outra vida. A ação árdua dessa comunidade é garantir que a gente não precise viver com esse medo com o qual convivemos hoje, seja de retaliações mais graves como assassinato ou mesmo de questões do dia a dia, como os desafios no mercado de trabalho.
O maior desafio de ser autista e LGBTQIA+ está ligado aos desafios na autonomia enfrentados por pessoas no Espectro e a invalidação do discurso das pessoas autistas. Em diversos momentos, a minha condição neurológica foi utilizada como meio de invalidação, por profissionais de saúde sobre o meu questionamento de gênero. Muitas vezes os especialistas em autismo não têm bagagem sobre gênero e sexualidade e, da mesma forma, quem entende desses dois aspectos tem uma certa restrição com o tema autismo.
A comunidade LGBTQIA+ precisa compreender, de forma mais abrangente, que esta não é uma luta individual que se restringe a um determinado grupo (homens gays, mulheres lésbicas, dentre outros). É preciso que a gente se abra para todas as interseccionalidades que se cruzam, com relação a uma série de questões, desde a deficiência ao machismo e ao racismo, e debruce um olhar para o coletivo para efetivamente abarcar a pluralidade humana.
Sophia Silva de Mendonça é jornalista, escritora, apresentadora, cineasta e mestranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). Foi diagnosticada autista aos 11 anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de sete livros e diretora do documentário “AutWork – Autistas no Mercado de Trabalho”. Em 2016, recebeu o Grande Colar do Mérito Legislativo de Belo Horizonte, a maior honraria do legislativo municipal, tornando-se a pessoa mais jovem a receber essa homenagem.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.