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Procrastinação e as funções executivas

Garota adolescente, sentada à mesa, com livros e cadernos, à sua frente. Em seu rosto jovem, a expressão de aborrecimento.

O drama de procrastinar envolve o conceito de funções executivas. O drama vem do fato de que procrastinar não traz alívio ou conforto. A procrastinação consiste em transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar, protrair. Portanto, costuma ser um drama na vida de pessoas típicas e um SUPER drama para pessoas autistas.

Isso porque muitos autistas possuem dificuldade nas funções executivas, ou seja, possuem disfunção executiva. A disfunção executiva no Transtorno de Espectro Autista (TEA) traz comprometimento – déficits – em funções executivas, conhecida como as habilidades cognitivas de controle, planejamento e ações.

As funções executivas evitam procrastinação

As funções executivas são aqueles processos cognitivos que ajudam a combinar nossos pensamentos com as nossas ações. Na prática, a grande questão de ter dificuldades para executar tarefas do dia a dia é que, sem dúvida, a vida fica bem mais difícil.

Assim, o autista pode parecer desorganizado, desleixado, preguiçoso ou até mesmo ter o nível de inteligência medido com base nessas falhas de processamento. E essas dificuldades serão, de fato, percebidas o tempo todo. Tudo que fazemos na vida – trabalhar, divertir, estudar, manter os cuidados pessoais etc. – depende das nossas funções executivas.

Entretanto, nem todos os autistas terão déficits nas funções executivas. E mesmo aqueles que tiverem, não vão ter questões com todos os itens das funções executivas como, por exemplo:

  • Planejamento.
  • Memória de trabalho.
  • Atenção.
  • Solução de problemas.
  • Iniciação.
  • Raciocínio.
  • Flexibilidade cognitiva.
  • Inibição.
  • Monitoramento.

Alguns podem, por exemplo, ser perfeitamente capazes de planejar. No entanto, não conseguem dar a iniciação para seguir. Outros, porém, conseguem rapidamente pensar e agir na solução de um problema sem, no entanto, conseguirem verbalizar o que fizeram. 

Quais são as funções executivas?

Planejamento

A função de planejar é, sobretudo, decidir em que ordem as coisas acontecem e estabelecer um plano de ação para atingir uma meta. Autistas podem, de fato, ter dificuldades para planejar e executar suas rotinas e suas tarefas do início ao fim.

Memória de trabalho

Quando falamos sobre as questões com memórias, falamos tanto de pontos fracos e pontos fortes. Talvez você encontre um autista que sabe, por exemplo, o nome de todos os jogadores da seleção brasileira, de todos os tempos. No entanto, esse mesmo autista talvez não consiga memorizar os dias da semana ou as etapas de higiene durante depois do almoço.

A memória de trabalho é a capacidade de lembrar as memórias que são de curto prazo, aquelas específicas para executar uma tarefa diária ou uma função simples.

Atenção

A atenção tem a ver com a memória de trabalho. Alguns autistas podem demonstrar uma capacidade enorme de foco e atenção. No entanto, pode ser desafiador que esse mesmo autista tenha foco em outras coisas – ainda que elas sejam importantes. A grande questão é que se a pessoa não consegue se concentrar em outras tarefas além de seu interesse, isso, de fato, pode afetar a capacidade a memória de curto prazo.

Além disso, o foco pode, também, estar diretamente ligado com as questões sensoriais. Imagine que, na sala de aula, a criança começa a focar nos sons de lápis batendo, ou na forte luz que entra na janela. Por afetarem seus estímulos, também roubam a sua atenção.

Solução de problemas

É natural para pessoas típicas, varrer os pedaços e jogar no lixo, um copo de vidro que se quebrou. É que a função de solução de problemas utiliza quase todas as outras funções executivas, ou seja, raciocínio, atenção, planejamento, iniciação, memória de trabalho e monitoramento.

Assim, mesmo que um autista não apresente déficits em toda a lista das funções executivas, basta uma delas não funcionar para quebrar a cadeia lógica que o cérebro usa para chegar à solução.

Iniciação

Iniciação é a capacidade de colocar as ideias em prática, iniciando o plano ou a tarefa. Para muitos autistas, os déficits de iniciação impedem que eles não consigam, por exemplo, montar o tabuleiro de um jogo que eles querem jogar. Ou, então, começar a fazer o dever de casa. Ou mesmo, qualquer outra tarefa.

Nesses casos, os autistas precisam que outra pessoa comece no lugar deles. Entretanto, essa dificuldade em dar início, não tem a ver com a vontade de fazer, mas sim, com a capacidade de simplesmente começar a fazer.

Raciocínio

O raciocínio – mental ou verbal – nos leva a analisar, compreender e pensar de forma mais crítica os conceitos. Um bom raciocínio é, também, uma boa retransmissão do raciocínio.

No entanto, a incapacidade de reprodução de conceitos, principalmente na forma verbal, é uma das características  mais presentes em autistas. Assim, ela afeta diretamente a construção de relações sociais e a interpretação dos códigos de comportamento.

Flexibilidade cognitiva

A flexibilidade cognitiva é a capacidade que a pessoa tem de acompanhar as mudanças, aquelas coisas que podem mudar todo o planejamento inicial. Autistas, em geral, precisam de previsibilidade, de uma vida com regras e rituais. Por isso, mudar pode ser extremamente desafiador. Assim, diante das mudanças, alguns autistas resistem por causa de pensamentos rígidos, opiniões e ideias inflexíveis.

Inibição

Outra função executiva importante é a inibição. Ou seja, o controle dos impulsos. A inibição ajuda a pessoa a não se deixar levar por qualquer ideia. Pois nem tudo que pensamos em fazer pode, de fato, ser feito.

Quando a função da inibição falha, por exemplo, o autista pode ter explosões emocionais, agitação das mãos e comportamentos repetitivos. Em outras palavras, o ‘stim’ – embora algumas formas de ‘stim’ também sejam maneiras de o autista acalmar os nervos.

Monitoramento

O monitoramento é a última das funções executivas no autismo. Ele é um processo que é inconsciente que atua enquanto fazemos outras tarefas normais, no piloto automático. Por exemplo: quando se anda e conversa com alguém na rua. Neste momento, só uma parte bem pequena do cérebro está pensando no andar. Isso porque já se sabe como dar passo após passo. Então, é nessas horas que monitoramento trabalha. Ou seja, ele impede que a pessoa tropece ou esbarre nos postes nas pessoas, enquanto conversa.

Para quem tem problemas nas funções executivas é muito difícil entrar no piloto automático nessas atividades básicas. Principalmente em momentos de cansaço, de sobrecarga ou estresse.

Como ajudar autistas com problemas nas funções executivas

Utilize meios visuais para orientação de tarefas. 

Em casa, tenha lugares fixos para destinar coisas e tarefas. Por exemplo, a escova de dente deve ficar no mesmo lugar; o cesto de roupas sujas deve ser sempre o mesmo.

Reserve um bom tempo e tenha paciência quando for ensinar uma tarefa nova.

Evite intervir toda vez que a criança tiver dificuldade. Fazer as coisas no lugar dela, a impede de desenvolver as funções executivas.

Ao orientar uma tarefa, divida em partes. Pode ser muito mais funcional entender etapa por etapa da atividade até que a criança assimile o caminho inteiro.

Por fim, um bom terapeuta ocupacional, ajuda muito no treinamento das habilidades da vida diária. Afinal, estimular as funções executivas na vida da pessoa autista, significa ganho de independência e, em consequência, aumento da auto autoestima.

Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora. É articulista na Revista Autismo (Canal Autismo) e Conselheira da Unesco Sost Transcriativa. Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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