Esta pergunta me acompanhou durante minha infância e adolescência. Por que os dias cinzentos me deixam triste?
Se chove, então… Porém, só descobri a resposta já adulta. Acontece que muitas pessoas ficam tristes com os dias cinzentos. Entretanto, isso tem uma explicação biológica e psicológica. É claro que existem outras tantas, que não são assim. Tudo bem. Aí está a beleza da diversidade.
O ciclo circadiano, também conhecido como ritmo circadiano, é o mecanismo pelo qual nosso organismo se regula entre o dia e a noite. A partir dele, nossos processos fisiológicos são comandados para que nosso corpo consiga acordar, sentir fome, estar ativo, ficar com sono, e assim por diante. É sabido que o autista pode não ter uma boa autopercepção. Não era diferente comigo.
Assim, mesmo que meu organismo se sincronizasse todos os dias com a presença da luz solar recebida, minha autopercepção era falha. Contudo, sistematizei de maneira involuntária: maior iluminação indicava o início do dia. Portanto, a diminuição dessa iluminação, me preparava para terminar o dia e descansar.
Acontece, que todos em minha casa toda precisavam obedecer a um ritual. Senão o padrão funcionaria. Uma visita à noite, som alto, pessoas agitadas já tumultuavam o ritual do anoitecer. O mesmo deveria ser observado pela manhã. Se alguém perdesse a hora para se levantar, pronto! Eu já me sentia completamente, perdida.
Outro fator importante é a ação da melatonina. De dia, com o sol, a concentração desse hormônio diminui. Ao anoitecer, há uma liberação maior da melatonina. É o que nos relaxa e nos deixa com sono. Nossa temperatura corporal diminui. E nos preparamos para dormir. Logo, os dias cinzentos, com falta de luz solar, geram o mesmo efeito. Por isso, nos sentimos apáticos e desanimados quando nosso corpo começa a se desativar.
A serotonina é o neurotransmissor da felicidade. Ela nos ativa, aumenta nosso ânimo e nos predispõe às relações sociais. Além disso, reduz o número de nossos pensamentos negativos. No entanto, a falta de luz solar faz com que nossos níveis de serotonina caiam significativamente. Desse modo, o desânimo, a tristeza e a nostalgia aparecem. No autista, essa reação é potencializada, devido às características desse cérebro neurodivergente.
Porém, nem a melatonina, nem a serotonina, sozinhas criam esse efeito de tristeza. Ou seja, ele acontece pelas mudanças cognitivas e comportamentais que vivenciamos. Em outras palavras, são nossos pensamentos e comportamentos que fazem com que a tristeza e a apatia se mantenham.
Pessoas que experimentam os efeitos do clima em seu humor tendem a se isolar. Elas se isolam em dias nublados, frios ou chuvosos. E se tornam mais inativas, mais solitárias e mais focadas em pensamentos circulares disfuncionais. Na verdade, há uma redução das atividades e do contato social. Além disso, os diálogos internos se tornam mais pessimistas.
Depois que um psiquiatra me explicou tudo isso, meu segundo passo foi pensar numa estratégia. Por exemplo, algo que me livrasse dessa situação. Já que eu não poderia acabar com os dias cinzentos, decidi observar os tais fatores cognitivos e comportamentais.
Dessa forma, passei a negociar com meu cérebro. Eu fazia um esforço consciente para evitar a apatia e o aperto no coração. Aliás, outra coisa muito importante, era arranjar uma boa atividade para me manter ativa. Experimentei várias, até selecionar as mais agradáveis para mim. Além disso, me tornei atenta aos meus pensamentos. Se fosse algo ruim, eu arranjava uma forma de desviar minha atenção. E hoje, sinceramente, consigo até me deliciar com um dia chuvoso.
Selma Sueli Silva é jornalista, radialista, youtuber e escritora. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial e autista. Autora de três livros e diretora do documentário “AutWork – Autistas no Mercado de Trabalho”
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