Selma Sueli Silva e Camila Marques
Hoje, vai estrear um quadro que se chama “As divergentes”. Por que esse quadro? Primeiro, eu não vou apresentar sozinha, porque são muitas as divergentes. Está comigo a Camila Marques, que é jornalista, formou-se com meu filho Victor. E, desde lá, nos tempos de faculdade, já chamava a atenção por algumas semelhanças comigo: nós duas, mulheres, mesmo que a gente faça parte estatisticamente da maioria, a gente acaba sendo uma minoria no sentido de sofrer determinados preconceitos, talvez em função do nosso sexo. A gente também tem uma origem muito pobre. A gente não é rica, mas não somos aquela pobreza que veio lá de trás, porque é um movimento comum, as nossas famílias foram crescendo. Camila Marques, negra, e eu, autista.
Selma Sueli Silva: Camila, que interessante: quando eu morava em uma comunidade que se chamava Vila dos Marmiteiros, eu era tratada de maneira diferente pelos meus coleguinhas da vila, não só pelo meu jeito, mais na minha, e eles achavam que eu era metida, mas na verdade não era isto, era o fato de ser autista e não saber. Tinha um preconceito por causa da pele, também. Porque a gente era, nós, três irmãs, branquinhas e com cara de rico. E, pra morar na comunidade, eles não queriam que fosse assim. Então, tem dos dois lados. Mas tudo bem, o tempo passou. E isso já não é dessa maneira. Mas, de qualquer forma, Camila, você percebeu, nesse fato de ser mulher e negra como um fator que dificultou, em alguns aspectos, da sua vida?
Camila Marques: Eu penso que a partir do momento em que a gente tem que se privar de certas posturas por conta do outro, já é um forma de opressão. Se você se priva de andar com um determinado tamanho de roupa, com um decote, até uma bijuteria, uma unha, um cabelo que chama a atenção para impor, para passar respeito, para passar credibilidade, para ser aceito em determinados certos espaços, já é uma forma de opressão, porque você já se priva de algo. Eu morei em um local em que a gente, nós éramos muito próximos às pessoas, graças a Deus. E então, a gente não esbarrou nessas questões, mas o meu pai deu uma educação, a mim e a minha irmã, ao meu irmão, menos, porque temos diferença de idade, mais rígida. Por exemplo: a gente não falava gírias, a gente sempre falava as palavras certinhas, nós éramos muito caseiras… Então, fomos muito moldadas a partir da nossa educação
. Meu pai, principalmente nesse aspecto, minha mãe, mas principalmente meu pai, tinha muita preocupação com a nossa reputação.Selma Sueli Silva: Ah, mas isso todo o pai tem! É normal!
Camila Marques: Então, nós fomos moldadas dessa forma, eu e a minha irmã. Mas, eu penso que, quando a gente tem que se privar de algo, até passar por uma rua, por alguma cantada, para não ouvir uma cantada, coisa assim, já é uma forma de opressão. É difícil pensar que, em 2020, a gente tem que andar em vagões separados de homens, no metrô, para evitar um assédio, algum desrespeito e por aí vai.
Selma Sueli Silva: Não é? Eu estou me lembrando, Camila que quando os meus pais se separaram, eu tinha três anos de idade. Quando eu fui para o fundamental principalmente na adolescência, todo mundo, naquela época, achava que, você falou de reputação, porque somos três filhas, três filhas da mãe. E o pessoal achava que a gente ia ser p*t*, né? Porque a gente era filha de mulher separada. De lá para cá, houve uma mudança tão grande que a gente sonha com o mundo, que hoje é a questão de transgênero, que a questão de cor da pele… questões econômicas… Não afastem os seres humanos, porque o ser humano é que conta, no fim das contas, né?
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