Saúde

Por que autistas apresentam risco maior de depressão?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades nas interações sociais, além de interesses restritos e repetitivos ao longo de todo o desenvolvimento. As taxas de transtornos depressivos são altas entre os indivíduos com TEA. Ou seja, essas pessoas são até quatro vezes mais propensas a sofrerem de depressão ao longo da vida, em comparação com os indivíduos com desenvolvimento típico.

Antes, por escassez de informação, acreditava-se que as pessoas com autismo seriam “imunes” à depressão. Aliás, ainda hoje, por estigma, essa crença persiste. E mais: tal crença partiu de uma descrição incompleta sobre o TEA. O autismo era definido como uma dificuldade no estabelecimento de conexões sociais e afetivas com o outro. Além disso, era associado a uma expressão emocional restrita. E mais, a presença do deficit na leitura emocional. No entanto, inferiu-se, incorretamente, que as pessoas com autismo teriam baixa empatia e “não teriam sentimentos”.

Autista e sentimentos

Para revertermos definitivamente o equívoco de que autistas não tem sentimentos, é preciso entender as nossas funções mentais. Além disso, precisamos de entender também, as alterações presentes no autismo e na depressão. Quando falamos de expressão emocional, sentimentos, emoções, estamos falando de elementos que constituem a nossa vida afetiva. Dessa forma, a afetividade é uma função mental relacionada ao “tempero que damos à vida”, ou seja, à forma como reagimos individualmente, de forma transitória ou duradoura, aos fatos e aos nossos pensamentos.

Quando consideramos que no TEA podem existir deficiências na expressão emocional, corremos o grande risco de considerar que as pessoas do espectro seriam “frias”. Portanto, definitivamente: não expressamos tudo o que sentimos e não é só porque alguém expressa menos, que sente menos. A partir disso, se torna fácil compreender que as pessoas com TEA podem, até mesmo, “sentir mais do que os outros”. Mas como isso é possível?

O que é sentir mais?

Tanto no TEA e quanto nos quadros depressivos, pode haver falhas no processamento emocional. Funcionaria como uma “indigestão emocional”. Ou seja, essas alterações do processamento emocional podem se expressar como uma reação emocional com maior ou menor duração, amplitude. Ou até mesmo como uma resposta desproporcional diante dos eventos da vida.

Em consequência, uma pessoa com depressão pode ficar mais sensível, por exemplo, chorando por acontecimentos que, para a maioria das pessoas, não seriam eventos geradores de angústia. Conclusão: se a falha no processamento emocional é uma característica biológica possivelmente compartilhada entre os quadros depressivos e o TEA, logo, pessoas com autismo apresentam um risco biológico de depressão.

Somos, todos, seres sociais

Sabendo que somos todos seres sociais, todos nós possuímos o desejo pela formação de vínculos sociais. E isso independe condição do neurodesenvolvimento subjacente. Entretanto, autistas apresentam um agravo psicossocial evidente: a deficiência no estabelecimento de vínculos que são fundamentais para todo ser humano. O resultado pode ser o agravamento do sentimento de inadequação e não pertencimento.

Considerando todos os fatores de riscos biológicos e psicossociais dos autistas para o desenvolvimento de transtornos depressivos, é fundamental quebrar o estigma relacionado à depressão e ao autismo. Como? A partir de uma fundamentação científica adequada.

Médica pela UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais Mestre pela UFMG, Psiquiatra pelo IPSEMG, Professora da UFMG e da PUC, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Mundo Autista

Ver Comentários

  • Eu nao consigo expressar ... Fica um monte vozes... Até mesmo a minha voz falando na minha cabeça ao mesmo tempo que estou tentando esternar pra alguem o que estou sentindo... Fico querendo dizer e me perco... As vezes saem coisas desconectas pq parece que tem um monte de eu querendo falar um monte de coisas ou o maximo de coisas ao mesmo tempo.

    • Raquel, entendemos você. Por isso, a comunicação é fator importante ao diagnóstico. Quando estamos tentando falar sobre nossas emoções pensamos em muitas coisas de uma só vez e não conseguimos organizar nossa fala. Mas, com treinamento, podem os treinar essa habilidade. Não se culpe por isso. Abraço carinhoso!

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