“Olá, meu filho de 13 anos foi diagnosticado dentro do TEA, Transtorno do Espectro do Autismo, há 2 semanas. Agora, olhe para ele. Ele passou a fazer coisas que antes ele não fazia. Por que isso acontece?” Então, eu olhei para o adolescente e ele andava em círculos. Além disso, estava absorto em seus pensamentos. Eu ainda não havia vivido, ou estudado sobre isso. Portanto, não soube respondê-la. Anos depois descobri o “Perigo: autista sendo autista.”
Mas nunca me esqueci da pergunta daquela mãe. Afinal, ela me abordou numa das primeiras palestras que dei sobre autismo. Desde o final de 2015, eu e minha filha Sophia nos sentimos fortalecidas para dividir nossa experiência com esse fascinante mundo do autismo. Desse modo, são familiares, educadores, profissionais da saúde, autistas… um sem-número de pessoas que se debruçam sobre o assunto.
Anos depois, a resposta veio. Descobri, na minha própria experiência. Eu me esforçava para meditar, sentada, imóvel. Resultado, nunca conseguia meditar durante o tempo a que me propunha. Ficava frustrada. Depois do meu diagnóstico, me peguei balançando o corpo ao meditar. Finalmente, consegui cumprir minhas metas.
O que mudou? Muito simples. Antes do diagnóstico, meu corpo pedia certas ações. Porém, eu não me permitia. Olhava ao redor e não via ninguém fazendo o que eu queria fazer. Então, somente sozinha, ou de maneira discreta, eu me balançava quando tinha de ficar muito tempo na mesma posição. Ou apertava a unha do polegar com a ponta do dedo indicador ao me sentir constrangida ou desconfortável. Pulava, ao andar ou correr e me sentia livre, confortável dentro de meu corpo. Mas isso, quando não tinha ninguém olhando.
Há poucas semanas, pela primeira vez, baixei minha guarda e expus meus sentimentos. Entretanto, eu o fiz tal e qual minhas palavras permitiram. Não falei pausado. Não escolhi palavras da minha lista “palavras socialmente aceitas”. Ou seja, deixei fluir e a emoção que apertava meu coração saiu quase vomitada.
Explico: Eu havia solicitado um horário extra à minha psicóloga. Além disso, passava por situação para a qual eu precisava de orientações. Quase nunca faço isso. Geralmente, me fecho. Dessa forma, tento, sozinha, como fiz durante toda a vida, uma solução. Depois de uma semana de meu pedido, a resposta veio. Ela não havia encontrado lacuna para meu atendimento extra. Não gostei. Depois ela entraria em férias. E logo após, eu também.
O resultado disso tudo foi que fiquei quase um mês sem o acompanhamento psicológico. Semana passada, seria nossa primeira sessão. Eu não me lembrava mais do problema que originou minha solicitação. Mas, ao vê-la, tudo que senti, à época, veio à tona.
Ou seja, abandono, falta de percepção de minha necessidade, demora para entender meu SOS. É certo, para mim, que como não sou de acionar por motivo fútil, ela saberia que eu estava mal.Minha psicóloga então, me alertou que eu não podia falar sobre os sentimentos dela, por ela. Entretanto, expliquei que isso seria perfeito se ela estivesse falando com uma pessoa neurotípica. Porém, o que eu tentei foi descrever o que senti diante de questões que estavam na minha cabeça. Sem o peso de apontar o dedo.
Entretanto, eu havia dito também, que considerei antiético ela não ter querido saber como eu estava nesse período. Contudo, assim que fechei a boca, percebi que a palavra estava inadequada para o receptor de minha reclamação. Embora para mim fosse perfeita, pois o sentido dela demonstrava a intensidade de minha emoção, a psicóloga não decodificou da mesma forma. E não, a palavra escolhida, não tinha nada a ver com a pessoa e profissional ética que sei que ela é.
Depois de uma longa conversa sincera e acolhedora de ambos os lados, tudo ficou bem. Como autista, eu lido com pessoas, autistas ou não. E tenho que levar isso em consideração. Nas relações sociais, é precioso que a pessoa típica procure nos entender. E vice- versa, de preferência, o tempo todo. Aliás, como eu agi na minha vida toda. Contudo, eu confesso: dá um trabalho danado! E a exaustão posterior é certa.
Selma Sueli Silva é jornalista, radialista, youtuber, escritora, cineasta, relações públicas e pós-graduada em Comunicação e Gestão Empresarial. Foi diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista) em 2016. Mantém o site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de três livros e diretora do documentário “AutWork – Autistas no Mercado de Trabalho”
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