Os três níveis de suporte no autismo de acordo com o DSM, assim como suas potências e problemas, são tema da coluna de Sophia Mendonça.
Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o autismo pode se manifestar, de uma maneira mais geral, em três níveis de suporte. Porém, a nomenclatura “leve”, “moderado” e “severo” vem sendo considerada obsoleta. Isso porque ela diz da manifestação do autismo como algo mais distante da vida prática das pessoas. Porém, a separação entre três níveis de demanda por apoio externo para ter uma vida em equidade com a de neurotípicos resolve parte desse problema. Afinal, agora sabemos um pouco mais sobre a diferença de uma condição relacional como o autismo nas vivências cotidianas.
Segundo a pesquisadora Lisa Jo Rudy, com base no DSM, o nível 1 de suporte descreve pessoas autistas que precisam de suporte, mas têm baixas necessidades. Elas podem ter dificuldade em se comunicar com pessoas neurotípicas, incluindo seus pares. Por exemplo, elas podem não dizer a coisa certa na hora certa ou ser capazes de ler dicas sociais e linguagem corporal. Essas pessoas também podem ter dificuldade para passar de uma atividade para outra ou tentar coisas novas. Organizar e planejar suas vidas, então, pode ser um grande desafio. Com isso, a independência para eles pode diferir das expectativas neurotípicas para pessoas de sua idade.
Para a estudiosa, não é incomum que pessoas autistas com necessidades de suporte de Nível 1 mascarem seu autismo muito bem. Isso pode levar a dificuldades no acesso aos cuidados de que precisam. Elas também podem ter seu autismo diagnosticado mais tarde na vida ou exibir características semelhantes sem um diagnóstico formal de autismo. Além disso, Rudy observa que uma pessoa com diagnóstico de autismo de nível 1 provavelmente experimentará esgotamento por mascaramento de longo prazo ou por trabalhar para esconder traços de autismo e parecer neurotípica. Esses autistas, assim, geralmente conseguem se comunicar em frases completas na maior parte do tempo. Porém, eles podem ter dificuldade em se envolver em comunicação prolongada de ida e volta com pessoas neurotípicas. Isso pode aumentar o risco de problemas de saúde mental.
Já nos casos em que há o diagnóstico de Nível 2, uma pessoa autista pode ter mais dificuldade em se camuflar do que seus pares descritos como Nível 1. Ela pode achar difícil se comunicar ou socializar de maneiras que sejam aceitas ou compreendidas pela sociedade neurotípica. Assim, a expressão autismo de Nível 2 do DSM inclui pessoas que têm interesses muito específicos e que se envolvem em comportamentos repetitivos que se afastam muito dos comportamentos neurotípicos aceitos.
Além disso, o comportamento pode aparecer em espaços que pessoas neurotípicas veem como uma incompatibilidade com tempo e lugar. Por exemplo, uma criança autista pode andar de um lado para o outro durante uma aula, ou um adulto diz a mesma coisa repetidamente em uma reunião.
Esses comportamentos são tipos de stimming, um traço de auto-estimulação que pessoas autistas usam para se regular internamente. Isso ocorre da mesma forma que pessoas neurotípicas se estimulam cantarolando ou batendo os pés. Embora esse traço também se apresenta no nível 1 de suporte, autistas nível 2 usualmente têm maior necessidade de auto regulação e maior dificuldade de suprimi-la em situações sociais.
Já as pessoas autistas com diagnósticos de Nível 3 precisam de mais suporte. Elas podem ter muitas das mesmas características de seus pares autistas. Porém, são incapazes de mascarar e têm cargas muito altas de autorregulação. Então, desafios com comportamento repetitivo e comunicação podem dificultar a conclusão de tarefas da vida diária, a interação social e lidar com uma mudança de foco ou localização. Por isso, alguns autistas se beneficiam do acesso antecipado a dispositivos de comunicação aumentativa e alternativa (CAA), que ajudam a garantir o direito humano ao diálogo. Elas também podem estar mais em risco de negligência, discriminação e abuso ao longo de suas vidas.
Assim, uma pessoa autista com diagnóstico de Nível 3 tem mais probabilidade de ter dificuldades de comunicação e raramente pode iniciar interações, especialmente com pessoas neurotípicas. Mas, quando o fazem, provavelmente são percebidas como estranhas. Ou seja, elas podem preferir brincadeiras paralelas em vez de interações, ou podem preferir interagir com outras pessoas com base em lições de histórias sociais e roteiros.
Várias lacunas, entretanto, ainda permanecem nessa divisão entre níveis de suporte. Um dos problemas centrais é a simplificação, necessária para alguns setores das ciências médicas, de um espectro muito mais complexo e repleto de nuances. Outro deles está na própria diversidade de manifestações entre as pessoas. Então, um autista nível 2 de suporte que não apresenta comunicação verbal, mas apresenta um cognitivo muito acima da média, pode ter muito maior facilidade de ser incluído na vida em sociedade financeiramente do que alguém nível 1 que, em função dos entraves na comunicação verbal como literalidade e incompreensão alheia, se veem excluídos e entregues a vícios como álcool e drogas.
Além disso, segundo a autora Lisa Jo Rudy, pessoas autistas têm uma ampla mistura de características associadas a múltiplos níveis. Então, esses níveis podem não ser úteis fora do contexto médico. Portanto, rotular uma pessoa autista com base em um nível definido pelo DSM pode levar à negligência, potencial prejudicado e mal-entendidos prejudiciais. O principal problema, porém, está nas próprias limitações da linguagem de compreender um fenômeno tão amplo quanto o autismo.
Essa neurodiversidade, embora englobe questões de saúde que precisam ser observadas por um viés mais biologicista, não se restringe à visão dura da evolução para comportamentos mais adequados. O próprio ativismo de autistas adultos vem mostrado que muitos se opõem às tentativas de conserto para características que não necessariamente geram prejuízos. Mas, mais do que isso, o julgamento humano sempre se apoiou na razão neurotípica. Que, como tudo que vem do ser humano, é questionável e pode se relacionar a vieses que variam conforme as pessoas.
O que quero dizer com isso é que o juízo de valor que acaba definindo o nível de suporte para fins sociais é muito mais subjetivo do que um conjunto de protocolos pode dar a entender. Isso porque ele engloba o conhecimento e a capacidade de interpretação dos profissionais envolvidos. Disputas de narrativas que visem fincar algo no território científico, é claro, não estão imunes nesse repertório.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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