Blog

O suporte do autismo nível 1 é para a vida toda

Em 2013, a síndrome de asperger passou a compor o Transtorno do Espectro do Autismo. Finalmente, perceberam que o suporte do autismo nível 1 é para a vida toda. E que a inteligência na média ou acima dela, não anula outras características da pessoa autista. Mas, a partir daí, começaram os questionamentos sobre a demanda que os três níveis do espectro apresentam para as respectivas mães. Ah, o ser humano e sua tendência à comparação. Aliás, uma comparação com o recorte que ele conhece de perto. Ou seja, seus filhos e uns poucos autistas e mães inseridos nesse recorte.

A dor é mais evidente quando a necessidade de suporte no autismo é maior

Muitos acreditam que, embora o espectro abrace todos os autistas, que eles partilhem dos mesmos sintomas de déficits e habilidades, há muita diferença entre eles. Todos vivem prejuízos, é verdade. Mas os desafios de um autista nível de 3 de suporte estão numa distância quilométrica do suporte exigido pelo autista nível 1. Afinal, o autista ‘severo’, como era conhecido, tem a linguagem profundamente comprometida, com ou sem deficiência intelectual associada.

‘Nem tudo é o que parece’, no autismo nível 1

Recentemente, eu e minha filha lançamos o livro ‘Nem tudo é o que parece’, depois de ouvir o depoimento de várias mães com maternidade atípica. Eu e Sophia rimos e choramos nesse percurso de entrevistas e posterior criação de um romance. Não podíamos nominar as mães e nem seus filhos. Afinal, a maior parte da comunidade autista os tem como privilegiados dentro do espectro. Muitos estão procurando ou já estão empregados. Nominar, portanto, certamente afetaria a visão que o mercado tem deles.

No recorte de nossa pesquisa, alguns professores universitários, viviam de licença médica. Mesmo sendo doutores no assunto ministrado. Eles não compreendiam direito as regras da universidade, o comportamento de seus pares e nem dos alunos. Resultado, quando eram servidores concursados, a licença médica era recorrente. O mestre lá, doidinho para conseguir trabalhar mas, ainda assim, o laudo do psiquiatra da vez era, pretensamente, assertivo indicando a depressão.

Alguns, pela força da comunidade autista adulta, pela leitura dos livros ‘Minha Vida de Trás para a Frente’ ou Camaleônicos, ambos escritos por mim, foram à busca de um diagnóstico bem feito. E, com isso, ganharam a liberdade de ser quem são, sem os rótulos de depressivos, por exemplo. É verdade que o autista ‘leve’, como são conhecidos, carregam várias condições coexistentes. Mais conhecidas como comorbidades. Isso só complica, ainda mais, a situação.

O suporte do autismo nível 1 é para a vida toda

Contudo, agora, com o diagnóstico, eles partem para o autoconhecimento, passam a respeitar seus limites e a exigir seus direitos. Ou é isso, ou é o inferno de noites e mais noites em claro. Antes, a insônia já fazia parte do pacote, mas agora pode ser medicada, se for o caso, ou tratada com terapia. Quando um autista nível 1, adulto, está em crise, bobagem acreditar que ele vai conseguir falar para alguém o que se passa com ele. Negativo: o processamento das ideias se torna lento, o pensamento confuso e a linguagem – que muitos exaltam, completamente disfuncional.

Isso quando não destroem toda a fina linha das poucas amizades e até conhecidos, com frases e acusações que depois, pouco delas eles vão se recordar. Mas o remorso será real. Assim como é certo o afastamento das pessoas que não levam em consideração, essas características limitantes. Até sustentam que o autista em questão, passou dos limites. Já é adulto e sabe muito bem o que faz e diz. Quanto engano!

‘Autismo Leve? Só para quem não convive de perto

Já para aquele autista que não está sob a legislação do servidor público, ou seja, é celetista, para esse não tem jeito. Começou a dar problemas frequentes, não há processo de inclusão que o segure. Para ele, a porta da rua é a serventia da casa. Sem contar no alívio dos colegas de trabalho que não querem mais aprender sobre estratégias de convivência ou adaptações. Esses, mal conseguem disfarçar o alívio.

Em casa, o ‘pobre’ ou a ‘pobre’ amarga ter de ouvir a família dizendo que ele devia ter aguentado mais um pouco. Que devia fazer de tudo para se enturmar. Meodeus! E onde que fica a cartilha da diversidade e inclusão? Parou na página 2? A responsabilidade sempre será do autista que já se sente um ET neste mundo sem os códigos corretos para que ele decodifique as relações sociais?

Quando ele não suporta e entra em colapso, TODOS ao seu redor já estão no limite, também. E ele? Ele não se julga digno de acolhimento, do direito ao trabalho, à uma vida cidadã. Afinal, dia e noite é o que a sociedade grita, de uma forma ou de outra, em seus ouvidos. A ideação suicida é uma constante. Quando não há êxito em acabar com a própria vida, por qualquer motivo que seja,, quem está à sua volta torna-se refém desse cérebro desorganizado. Mesmo que não seja nada pessoal. Que seja uma forma primitiva de extravasar, uma completa impossibilidade de reconhecer a pessoa real no outro. Aliás, a auto agressão

também passa por aí – uma tentativa equivocada de se autorregular.

A mãe do autista nível 1 de suporte, como fica?

Quando o filho é criança, ela não se sente acolhida por outras mães que tem os filhos autista nível 2 ou 3. É quase proibido duvidar da ‘boa sorte’ de ter filho autista ‘leve’. Em casa, esse autista ‘leve’, é muito pior. Então, qualquer frase pode ser entendida de forma distorcida e assim, é um ‘deus nos acuda’. A mãe do autista nível 1 de suporte, se acostumou a pisar em ovos. A pensar mil vezes na resposta dada ao filho. Tem de conhecer tudo à volta do dele, medir, pensar, pois a pergunta pode não estar relacionada ao momento presente. Se a mãe se enganar e responder errado, ai, ai, ai, ai, ai lá vem crise. Muitas abandonaram o trabalho para se dedicar ao filho. Outras, se espremem, como dá, no equilíbrio entre a profissão e a realidade em casa.

A corda bamba, a impossibilidade de ligar o piloto automático, sempre existiu para aquela mãe. Ela, ao lado do filho, já sabe que sua vida não é, e nunca será, a mesma. Não há amizade que resista à essa realidade. E casamento também. Poucos pais seguem casados. Em seus devaneios, essa mãe chega a pensar em situações dramáticas de outras crianças que, pelo menos, ou terá um tratamento que colocará fim à fase ruim, ou acabará com o falecimento do filho. Duro escrever isso. Mas foi o que ouvi de várias mães. A impossibilidade de saber do amanhã, do dia seguinte, ou do segundo seguinte a devora todos os dias. Sem prazo para ter um fim conclusivo, para o bem ou para o mal.

Não há regra, por mais irônico que isso seja

Houve um tempo em que essa mãe acreditou que quando o filho crescesse, tudo seria mais ameno e que ela, finalmente, poderia olhar para si, ou para o que sobrou dela. Mas não, pois o suporte do autismo nível 1 é para a vida toda. Foi o que ela aprendeu e vivenciou vida afora. Um certa dependência na execução das tarefas diárias. Uma incapacidade de aprender e apreender o que é preço e valor. Se o filho gosta, pode dar 20 mil em um lápis. Se não gosta, é capaz de não comprar um carro do ano por 30 mil reais.

A pobre mãe segue repetindo o que dá certo e descartando o que não dá certo quer seja na relação com o filho, quer seja na comida oferecida. O que dá certo hoje, não significa que dará ‘ad eternum’. E começa tudo de novo, entre tentativas e crises. Quando se trata do filho adulto é pior. Pois a ‘culpa’ sempre é da mãe que não sabe, que não vê, que é “a pior coisa da minha vida”, ou até mesmo um câncer que o incomoda. O psicólogo, desde a adolescência, explica que na hora da raiva ou frustração, o autista de ‘linguagem funcional’ vai escolher o que mais fere o outro. É uma tentativa de se desviar do próprio sofrimento.

De novo o porém para o suporte do nível 1 do autismo

Porém, as palavras não se tornam mais leves conforme o propósito do filho autista. A situação se repete por anos. Pode até ser dividida com a esposa ou marido do autista nível 1. O que não consola, só aumenta o alcance dessa ação. Uma mãe, certa vez, sentindo-se exausta, chamou a atenção do filho para seu próprio sofrimento. Ele tinha 12 anos. O filho respondeu que se ela achava que sofria, não tinha empatia para entender que o sofrimento dele, que mantinha a consciência cruel de suas limitações, sem contudo conseguir evitá-las. E emendou com uma profunda tristeza na voz: “Você me deu o que eu tenho de pior em mim – a minha vida.”

Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.

Mundo Autista

Posts Recentes

Crítica: Silvio (2024)

Silvio mistura uma narrativa frágil de filme policial com alguns toques biográficos sobre o personagem-título.…

3 dias atrás

O autismo nível 3 de suporte no filme Quem Vai Ficar com Mary?

O autismo nível 3 de suporte no filme Quem Vai Ficar com Mary?

5 dias atrás

Luto e empatia

No autismo não há regra de como será vivido o luto e empatia. Desde 2008,…

5 dias atrás

Mãe autista – Nem tudo é o que parece

Nem Tudo é o que parece foi o último livro lançado por mim e minha…

1 semana atrás

A natureza do mal em Wicked

A natureza do mal em Wicked é tema de análise budista. Com isso, Sophia Mendonça…

1 semana atrás

O estresse e o autismo

O estresse no autismo, quando recorrente, pode gerar inúmeras doenças. Nesse caso, ao ir ao…

2 semanas atrás

Thank you for trying AMP!

We have no ad to show to you!