O texto desta carta não trata somente de mim, não trata somente do que sinto e não é somente da minha vivência! Então, não se trata também de uma voz uníssona que pretende representar um todo que é composto por tantas pessoas diferentes. E com tantos recortes distintos! Muito menos vem para apagar, desmerecer ou minimizar outras maiorias minorizadas. Nada disso! O seu preconceito de todo dia não nos dai hoje. E perdoai as nossas diferenças!
Assim, não é me fazer de vítima (para quem acredita nisto!) e não é a supervalorização de dores! Aliás, digo que “comi um quilo de sal” como dizem os neurotípicos – dois anos mais precisamente – antes de escrevê-la! Esta carta vem para escancarar um lado que precisa ser claramente mostrado à sociedade atual, que vive e se confronta todos os dias com o paradigma da inclusão, mas nada tem de inclusiva!
Conheço pessoas incríveis que possuem características identificadas, legalmente, como deficiência. Por exemplo, são pessoas autistas, surdas, ou com alguma outra neurodivergência. Aliás, algumas deste grupo, nem mesmo podem ser compreendidas como pessoas com deficiência – de acordo com a lei – e outras têm os impactos nas vidas minimizados. Em outras palavras, tal como as pessoas com altas habilidades que nem merecem nota em processos seletivos, por exemplo!
Assim como têm, ainda, as pessoas com deficiências raras, aquelas com alguma deficiência visual, as com alguma deficiência física, ou deficiências biopsicossociais (que tantos desconhecem), aquelas com deficiências intelectuais, entre outras. Enfim, mas sabe o que todas as pessoas reconhecidas com alguma característica que para este mundo é uma deficiência têm em comum? Sofrem preconceito! Que, aliás, tem nome! Chama-se capacitismo!
Isso mesmo, capacitismo é crime, previsto na Lei Brasileira de Inclusão, a LBI! Assim como é capacitismo uma publicação horrorosa que circulou, há algum tempo, em uma rede social. Ou seja, uma rede de compartilhamento de perfis profissionais, que dizia que o Putin era autista, segundo uma análise da Cia!
No entanto, sabe o que é pior? O preconceito não estava circunscrito à tal publicação! Estava nos comentários, assim como está em outras publicações, está nos ambientes corporativos, nos processos seletivos sem descrição de imagens para pessoas cegas. Nos recrutadores enviando áudios ou mesmo ligando para convidarem os candidatos surdos a participar de seleções para postos de trabalho. Eles nem leram o currículo com CID e laudo enviados.
Está na avaliação de desempenho padronizada nas pessoas típicas e sem deficiência somente. Também está em julgar que certos neurodivergentes são lerdos por serem detalhistas e, portanto, incompetentes por não atingirem as metas como as outras pessoas da equipe sem as mesmas diferenças. Está, ainda, no entender que se neurodivergentes gaguejam, são inseguros e não sabem o que dizem. Ou quando são perfeccionistas, não vão atingir a bendita meta, está ainda nas salas de aula, nos sites e serviços sem acessibilidade (sejam eles públicos ou privados) que, por vezes, as empresas preferem pagar multas a serem acessíveis.
O preconceito está na arquitetura dos prédios e das calçadas, está nos transportes, nas faltas de estatísticas mais fundamentais como os diversos tipos de violência que constam no Atlas da Violência. As pessoas com deficiência, apesar de sempre terem existido, só passaram a fazer parte mais recentemente, 2021 com dados de 2019, com as estatísticas por população demonstradas no documento.
O capacitismo está em muitas pessoas nem nos considerarem parte do grupo da diversidade, está em companhias escolherem deficiências “leves” para cumprir cota. Está, também, em acharem que somos caros para sermos contratados, está na ausência pessoas com deficiência em cargos de liderança e falta de contratação para tais cargos – mesmo a lei de cotas existindo há mais de 30 anos. Está na escassez
de acesso à cultura, está na ausência de legendas, na não contratação do intérprete de Libras, na falta de piso tátil, na venda de soluções mágicas para sites como as overlays, no não fornecimento de tecnologias assistivas nos mais diversos ambientes, incluindo o de trabalho, ou seja, está em tudo!Não existimos para as empresas, para os estados e para o Estado, a não ser para interesses pontuais. Interesses como o cumprimento das cotas para não gastar com publicidade depois para recuperar a imagem pela falta de contratação! É como se a cada momento tivéssemos que lembrar que existimos. Pedir a cada dia o básico porque nos esquecem, mesmo em provas como a do ENEM, de graduações e de pós-graduações! Está em acharem que direito é privilégio, em médicos contestarem laudos de deficiências não aparentes, em Projetos de Lei que retrocedem nos direitos das PcDs em prol de empresas, et cetera! A todo o momento uma nova violência! Com uma régua dos típicos, dos corpos e mentes padrões, sempre com a palavra de ordem para nós: “SUPERAÇÃO”!
Desculpe, mas é muita humilhação para nos colocarem em cargos de baixíssima qualificação! E ainda tem quem venha nessas redes profissionais dizer que pessoas com deficiência não trabalham porque têm estabilidade! Quanto capacitismo! E outros vêm com aquela história do Putin!
Enfim, bora mudar tanto retrocesso? Não é possível que em pleno 2022 tenha gente tão retrógrada em qualquer rede social, ainda mais nas profissionais, nas empresas. E a culpa ainda seja das pessoas com deficiência! É muita retórica, se dizer diverso, manter um ambiente hostil, pagar salários baixos e nada de inclusão de verdade!
Então, deixo aqui um desafio às empresas e aos profissionais que frequentam as redes sociais de profissionais: SUPEREM o capacitismo. Respeitem e contratem pessoas com deficiência para posições de liderança! Usem o Design Universal como parâmetro para a avaliação de desempenho. Ele é mais acessível e equitativo para todes. Sem favorecer a alguns, e preterir a outros! Acessibilidade melhora a vida de todas as pessoas!
Se quiserem conversar, estou desenhando um processo!
(Texto tema da apresentação do TDC, em março de 2022, escrito por uma pessoa com deficiência, mulher autista e com epilepsia.)
Paloma Breit dos Santos é bacharela em Ciências em Humanidades, pela UFABC. Aperfeiçoada em Tecnologias Educacionais, possui MBA em Informação, Tecnologia e Inovação pela UFSCAR. É Especialista em Acessibilidade Digital e Arquitetônica pelo IDA (Peru), Diretora da ONG Inclusão Humanizada, UX Researcher no Mercado Livre, estudante de Ciência da Computação e concluinte de Relações Internacionais, ambos na UFABC. Foi monitora inclusiva de pessoas com deficiência no ensino superior e representante discente da Comissão Permanente de Acessibilidade (CoPA), também na UFABC.
Ela é apaixonada pelo tema de acessibilidade e inclusão, pessoas com deficiência e pessoas, não aceita o mundo do jeito que é e faz parte da transformação deste para melhor.
Você sabia que a música Firework, de Katy Perry, é um hino budista? Confira a…
Enfeitiçados parte de uma premissa inovadora e tematicamente relevante. O filme traz uma metáfora para…
Sophia Mendonça resenha o especial de Natal A Nonsense Christmas with Sabrina Carpenter, com esquetes…
O autismo na série Geek Girl, uma adaptação da Netflix para os livros de Holly…
Os Fantasmas Ainda se Divertem funciona bem como uma fan service ancorada na nostalgia relacionada…
Ainda Estou Aqui, com Fernanda Torres, recebeu duas indicações ao Globo de Ouro e está…