Sophia Mendonça* e Dr. Luís Renato Arêas*
Sophia Mendonça e Dr. Luís Renato Arêas falam sobre a lei de cotas para pessoas com deficiência e sua implementação no mercado de trabalho, além de mitos e verdades que rondam esse tema. Eles conversam sobre como tornar os ambientes mais acessíveis para que a capacidade produtiva dos funcionários com deficiência seja aproveitada para o ganho social, da empresa e do indivíduo. Veja o vídeo completo em nosso canal.
“O trabalho dignifica a pessoa”, diz o ditado. O direito é um campo essencial exatamente para o desenvolvimento e para ser respeitada a dignidade do ser humano. Não adianta a gente guardar direito à saúde, à educação e não promover a subsistência, a autonomia e individualidade daquela pessoa com deficiência, proporcionando um trabalho digno. Nós temos a lei de cotas – 8213/91, que estipula que cada empresa com mais de 100 funcionários tem que empregar em seus quadros funcionais de 2 a 5% de funcionários com deficiência. Isso vale não só para as empresas de grande porte. A gente também pode aplicar essa metodologia para as pequenas e médias empresas, mesmo não tendo essa obrigatoriedade da lei de cotas. Essas pessoas têm uma potencialidade de contribuir muito à sociedade, de gerar riqueza e a capacidade contributiva e laborativa delas é muito grande, basta que a gente tenha mecanismos necessários para saber explorar essas potencialidades. Isso acontece independentemente da deficiência. Nós temos pessoas que têm facilidade com alguns temas e não tem facilidade com outros e não é por isso que ela não vai ser apta ao mercado de trabalho. A gente enaltece e estimula as qualidades e contorna as dificuldades para que a pessoa possa desenvolver bem o trabalho. Isso é corriqueiro em qualquer relação de emprego, seja pública ou privada.
O que a gente verifica, na prática, é que se busca deficiências leves e a empresa não procura se organizar para receber aquele funcionário. A empresa deve ser inclusiva em sua essência, não apenas para cumprir uma lei de cotas, então se você tem qualquer pessoa trabalhando ali, você tem que preparar aquela empresa para receber. Tanto a questão de acessibilidade física, a depender da deficiência, quando atitudinal. Os outros funcionários precisam compreender as potencialidades daquele outro servidor com a individualidade dele e o porquê de certas atitudes, para que esse funcionário com deficiência consiga se desenvolver. Isso, independente de tratar de empresas com mais de 100 empregados ou não. A gente tem que promover essa dignidade da pessoa no trabalho de todas as formas, não somente por obrigação a uma lei de cotas.
No autismo, por exemplo, a gente tem pessoas extremamente focadas naquilo fazem. Se bem aproveitadas, dentro da área de trabalho, vão produzir muito mais que qualquer outra pessoa. Então, ela vai conseguir trazer maior lucro e rentabilidade para a empresa e produzir para o desenvolvimento do país de uma forma até muito mais eficiente do que outra pessoa que não tenha deficiência. Quem perde são as empresas em não contratar, quem perde é a sociedade e todo o sistema; não só a pessoa com deficiência, cujo prejuízo é imediato.
Há a possibilidade de as empresas contratarem as pessoas com deficiência na qualidade de aprendiz. Isso é muito importante, porque acaba um pouco daquele discurso de que nós não temos condições, não estamos prontos. Claro que essa condição de aprendiz é temporária, que vai levar a contratação definitiva dentro da lei de cotas. É bom que se diga que na condição de aprendiz a pessoa com deficiência não perde o direito ao BPC, o benefício da prestação continuada. Temos possibilidades para fazer essa transição para que as todas as empresas sejam inclusivas, independentemente de cota. Pode haver a contratação da pessoa com deficiência como aprendiz numa empresa de pequeno ou médio porte. Tenho certeza de que quando você tem o envolvimento desse funcionário com deficiência, é natural que ele seja contratado respeitando toda a legislação e que vá fazer parte do quadro funcional definitivo. O contrário de eficiência não é deficiência; é ineficiência.
Nós temos duas especificidades importantes sobre a condição de aprendiz de pessoas com deficiência: pode haver a pessoa com deficiência como aprendiz independentemente da idade e não se limita o tempo nessa condição, podendo ultrapassar os dois anos previstos. Temos que tomar cuidado para que isso não seja uma forma permanente a burlar contratação definitiva. É importante proporcionar que essa pessoa com deficiência esteja adaptada na empresa e que o trabalho para ela seja saudável. Assim são todas as pessoas, com facilidade em certos aspectos e muitas dificuldades em relação a outras. Você não fica batendo em cima da das dificuldades, ao contrário, estimula as habilidades para produção. Deve ser assim no trabalho, bem como na vida inteira.
*Sophia Silva de Mendonça é jornalista, escritora, apresentadora e mestranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). Foi diagnosticada autista aos 11 anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de sete livros, incluindo “Outro Olhar” e “Neurodivergentes”.
*Luis Renato Arêas é Defensor Público do Estado de Minas Gerais. Coordenador Adjunto da Comissão Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – ANADEP. Especialista em Direito Penal pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Pós-Graduado em Transtorno do Espectro Autista pela Child Behavior Institute (CBI OF MIAMI) e Centro Universitário Celso Lisboa. Pai de Rafael, que tem TEA, e André.
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