Sophia Mendonça (Victor Mendonça) e Ana Flávia Pascotto
A psicóloga Ana Flávia Pascotto fala sobre estereótipo de eterna infância criado sobre a pessoa autista e como desenvolver habilidades sociais no autista adulto.
Sophia Mendonça: Hoje vamos conversar sobre um tema que é polêmico, mas que é muito relevante de ser discutido. Muitas pessoas criam o estereótipo de que o autista é de uma forma na infância e na vida adulta ele vai ser igual. Ou então, ficam muito presos, ao o que seria o autismo na infância de que as crianças não sabem se comunicar da maneira mais adequada. E a comunicação continuaria assim, dessa forma, até na fase adulta. Ana, você já trabalhou e trabalha com adultos nos espectro, com crianças no espectro. O que você observa como a principal diferença ou as principais diferenças entre um caso e outro?
Ana Flávia Pascotto: Eu trabalho com as crianças na clínica e no geral sempre vai ser dentro daqueles três parâmetros principais do autismo: comunicação, interação social e comportamentos estereotipados. Na criança, fazemos uma interação voltada para as necessidades básicas, bem básicas mesmo, como sentar, esperar, higiene, controle inibitório, em função do desenvolvimento do cérebro. O córtex pré-frontal se desenvolve até os 30 anos de idade. Essas crianças precisam desse ensino de habilidades básicas por causa das dificuldades de comunicação, pelas dificuldades de interação social. Quando se trata do adulto, eu venho notando no meu trabalho, que o que é necessário é o trabalho voltado para as habilidades sociais, para a organização de tempo, para o próprio manejo social das coisas, digamos assim. Eu vejo essa diferença bem gritante, que para os outros não parece tanto, mas é bem diferente.
Sophia Mendonça: Eu me lembro que quando eu era criança, eu tive o meu diagnóstico um pouco tardio, fui diagnosticada com 11 anos. Hoje seria super tardio, pois estamos em outra geração de autistas, vamos dizer assim. Quando eu era criança, eu tive muitas dificuldades básicas. Eu só fui aprender as coisas básicas de higiene sozinha na adolescência, justamente por causa dessa questão do diagnóstico tardio. Já para o adulto, é muito interessante esse manejo social que pega, de fato, pois existem muitas nuances do comportamento social.
Ana Flávia Pascotto: Sim, principalmente também falando em relação ao desenvolvimento do cérebro, das funções executivas, o que é desafiador para o adulto. O controle inibitório, interpretar e conectar essas informações, são desafios importantes. Quanto à gestão de tempo e a organização, o autista vai ter mais dificuldade com essas coisas, que são mais exigidas na vida adulta que na vida da criança. A criança não tem que saber organizar o tempo, não tem que saber que tem que dividir as tarefas, que tem que pedir para o outro, como acontece com o adulto, o que vai impactar tanto na linguagem como na comunicação.
Sophia Mendonça: O adulto autista muitas vezes é esquecido e tem que se virar. Mas não precisa ser assim, né Ana? Você faz um trabalho de mediação fantástico na universidade e eu acho isso muito importante.
Ana Flávia Pascotto: Sim, métodos de aprendizagem, como o pomodoro*, que é ensinar a pessoa a estudar, a lidar com a atenção, porque as pessoas são diferentes, tanto dentro do espectro quanto não. Então, a gente dá manejos, dá ferramentas, para eles organizarem esse tempo, já que eu não trabalho com essa perspectiva de transtorno. Eu vejo que é uma personalidade diferente da nossa e que só precisa de ferramentas para lidar com essa diferença.
Sophia Mendonça: É exatamente. É uma condição neurodivergente que, se você fornece ferramentas, a pessoa consegue ter um desenvolvimento mais saudável.
pomodoro*= Se trata de um método de gerenciamento de tempo desenvolvido por Francesco Cirillo, no final dos anos 1980. A técnica consiste na utilização de um cronômetro para dividir o trabalho em períodos de 25 minutos, separados por breves intervalos.
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