O que é rigidez cognitiva no TEA? Por exemplo, nós já sabemos que o cérebro da pessoa autista pode trazer a rigidez cognitiva como característica. Então, essa rigidez está ligada a um padrão de pensamento e ao comportamento fixo e inflexível. Assim, pessoas com rigidez cognitiva têm dificuldade em adaptar-se a mudanças ou novas situações.
Por exemplo: vamos às principais características da pessoa com rigidez cognitiva:
- Visão absoluta das coisas e situações
- Necessidade de seguir regras, regulamentos, expectativas e planos de maneira completa e precisa
- Ansiedade e estresse extremo em relação a variações da rotina
- Comportamentos repetitivos
- Resistência a mudanças
- Dificuldade em generalizar habilidades
A rigidez cognitiva pode ser observada em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas também pode estar associada a outros transtornos, como TAG (transtorno da ansiedade generalizada), TOC (transtorno obsessivo compulsivo), TEPT (transtorno de estresse pós-traumático) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Aliás, em crianças, a rigidez cognitiva pode afetar o brincar e a alimentação.
Quando a rigidez cognitiva é uma estereotipia
É uma das chamadas estereotipias. A rigidez cognitiva passa a ser uma estereotipia, quando manifesta-se por meio de comportamentos repetitivos, restritos e estereotipados. Tudo isso, comum em pessoas com autismo. Ou seja, quando existe a persistência de comportamentos, pensamentos e ações dentro de um conjunto limitado de possibilidades. Certamente, com pouca ou nenhuma variação. Em algumas situações, as pessoas no espectro autista podem ficar tão apegadas a suas rotinas que até mesmo pequenas mudanças podem ser fonte de ansiedade e estresse.
Como a rigidez cognitiva se manifestou em mim
Eu sequer sabia que meu cérebro era diferente. Muito menos que eu possuía a tal rigidez cognitiva. Então, até o meu diagnóstico, a minha jornada social foi de tentativas e erros. Para mim, seguir uma rotina bem estabelecida, me fornecia senso de previsibilidade e, até mesmo, de controle em um mundo que me parecia bem imprevisível e bagunçado.
Dessa forma, eu observava que as pessoas, nas mais diversas situações, me rotulavam de pedante e amarradinha. Minha primeira estratégia para mudar esses rótulos foi ter argumentos elaborados que justificassem minha posição. Deu certo, na maioria das vezes. Porém, eu mesma percebi que expandir, ver o que não estava bem à minha frente, ousar alternativas, tudo isso trazia satisfação à pessoa e a admiração do outro.
Dessa forma, comecei a tentar enxergar para além do óbvio, e também o óbvio, que muitas vezes, sai do nosso foco e por isso, não é bem aproveitado. Foi um período de grandes conquistas. Eu ficava muito mais ansiosa, muito mais aflita. Mas, em compensação, vivia uma satisfação que o previsível, muitas vezes, não me trazia. Foi quando percebi que eu não queria estar média. O que pode, inclusive, nos transformar em pessoas medianas, medíocres.
Como saí da Rigidez Cognitiva
Dessa forma, com o tempo, sempre levantava a hipótese de estar errada. Isso, claro, me obrigava a enxergar novas perspectivas. Fiquei viciada nas descobertas em equipe. Mas também fiquei muito mais crítica a pessoas sem o senso de equipe. Queriam descobrir a América, mesmo que isso significasse o sacrifício da própria equipe. Forem tempos difíceis para entender e conciliar tantas descobertas.
Mas foi igualmente, libertador, quando deixei de ser uma pessoa cheia, plena de certezas absolutas. Se eu já estava plena, não havia espaço para a troca. Sem esse espaço, eu me afastava do outro e ficava mais sozinha. Precisei mudar. Quando percebi, as mudanças me causavam, num primeiro momento, a perda do fôlego. Contudo, na sequencia, vinha o prazer das novas descobertas. E olha que minha rigidez era de tal grau que, quando minha mãe me pedia para levá-la em casa e, no caminho me solicitava que desse uma paradinha em qualquer lugar, eu simplesmente me desconstruía. O que, fatalmente, me levava a uma crise daquelas.
Depois do diagnóstico
Depois do diagnóstico, essa percepção ficou BEM mais fácil. Graças ao autoconhecimento. Quanto mais eu exercitava, mais eu ampliava a abrangência de minha flexibilidade. Viver se tornou então, bem mais leve que antes. Atualmente, quando percebo que uma situação (algo ou alguém) ameaça a minha segurança, questiono meu cérebro sobre o motivo desse sentimento. Minha segurança está de fato ameaçada? Do alto de minha idade, já consigo responder essa demanda. Ou será que é a minha SENSAÇÃO de segurança que está sendo ameaçada?
Como adquirir flexibilidade cognitiva
Considero que sou imensamente feliz por ter hiperfocado em gente, desde novinha. Passei a experimentar o que dava certo ou não, nos ambientes que frequentava, observando pessoas. Mas devo admitir que, algumas vezes, ainda não consigo sair dessa rigidez. Embora saiba que é ‘apenas’ rigidez.
Por exemplo, estou morando, desde 02 de julho desse ano, em Pelotas no Rio Grande do Sul. Pelotas é uma cidade conhecida pela excelência de seus doces. Todo ano, acontece a FENADOCE. A Feira Nacional do Doce traz os doces certificados, encontrados na ‘Cidade do Doce’. Há também uma grande estrutura para a área de serviços, que recebe expositores de todo o Estado. Ela vai de 17 de julho a 04 de agosto.
Desde que foi anunciada a Feira, eu entro no site, tento me familiarizar com as informações, traçar o mapa mensal do evento e comprar o ingresso. Até agora, não consegui. Passar por ruas que não conheço, ir a um lugar que nunca fui, com grande número de pessoas, com uma cultura diferente, tem me paralisado. Não vou desistir. Minha Sophia é uma autista mais destemida. Se não conseguir ir sozinha, vou pedir para ela me levar. Imaginem: a filha levando a mãe (risos).
Conclusão
Por isso, a intervenção precoce é tão importante. Afinal, ela ajuda a desenvolver habilidades para a adaptação, que é o que nos permite maior flexibilidade cognitiva. Aliás, decifrar nosso sentimentos e emoções também ajuda. Assim, vamos nos exercitando. Certamente, resultado é que conseguimos diminuir nossas amarras, criadas pela rigidez cognitiva. É… a vida é um grande ensaio para muitos espetáculos que protagonizamos durante nossa existência por aqui!
Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.