Estreei como palestrante em 2015. Tinha 18 anos de idade. Lembro-me, ainda, daquele auditório lotado. Aliás, na época, estava recém-saída de um período de fobia social. Isso mesmo. O Ensino Médio havia sido marcado por fortes crises de ansiedade. Então, eu não saía muito. Minha medicação era pesada. Assim, eu me sentia perdida em ambientes lotados. Ainda mais quando tinha que puxar assunto com alguém. Tudo isso favorecia a imagem de uma pessoa robótica e sedada.
Dessa maneira, a minha forma de comunicar era prejudicada por todos esses fatores. No entanto, eu tinha domínio e interesse pelo que havia me proposto a falar. Não ensaiei. Na hora, fluiu. O público foi receptivo às minhas reflexões. Eles riam das minhas piadas. Eu estava bem-humorada. Mesmo que minhas expressões faciais e corporais não demonstrassem isso. Afinal, eu fiquei estática o tempo todo. Depois da rodada de perguntas, fui aplaudida de pé.
Não foram raros os comentários de que eu havia sido “treinada” por um neurotípico. Contudo, essas pessoas também assumiram, ao final, que a impressão se desfazia à medida que eu me interagia com a plateia. Durante a rodada de perguntas para responder as dúvidas.
Certamente que sim, eu fui ágil nas respostas. Mesmo não sabendo quais seriam os questionamentos. Eu estava eufórica com a minha primeira palestra. O mais importante era poder falar sobre minha vida. E esse assunto, claro, eu dominava. Demorei a processar e perceber a desconfiança. Principalmente, frente ao que eu dizia. Foi a primeira vez que eu senti o peso do que é, em gigantescas aspas, “parecer autista”.
Não existe “cara de autista”. Não à toa, várias postagens em redes sociais defendem essa afirmação. Mas como as características desse diagnóstico manifestam em cada pessoa? Bem, pode variar de maneira considerável. A avaliação diagnóstica é, portanto, complexa. Logo, exige protocolos. Principalmente, em casos sutis. Ser autista não está em determinado gesto. Ou mesmo em maneirismos. É preciso observação cuidadosa. E, claro, a diversos aspectos da vida da pessoa.
Muitos autistas sentem-se desconfortáveis quando alguém diz que eles não parecem estar no espectro. Eu mesma já passei por isso. Senti-me invalidada em meus desafios diários. E olha que eu sou muito mais próxima ao estereótipo de autista do que muitos outros diagnosticados que conheço.
A neuropsiquiatra Raquel Del Monde esclarece que a afirmação “você não parece autista” geralmente se baseia em um conhecimento restrito sobre a condição. Essa inferência costuma vir de características mais facilmente observáveis. Como movimentos repetitivos e peculiaridades comportamentais. Os traços que definem o autismo, entretanto, não são óbvios ou visíveis. Existem vários autistas que não se enquadram nessa análise mais superficial.
Não “parecer” autista não significa que o indivíduo não apresente prejuízos significativos em sua trajetória. Ou que não demande suporte profissional. Na minha família somos vários autistas. Outro dia, estava observando duas parentes que compartilham desse diagnóstico. Uma delas é bastante rígida, tem hiperfocos intensos e sempre foi taxada de esquisita na família.
Para quem tem conhecimento sobre o assunto, o autismo dela é óbvio. Entretanto, a irmã dela tende a ser mais ponderada, extrovertida e apresenta uma comunicação mais fluida. Inclusive no que se refere à linguagem não-verbal. Mesmo aparentando ser mais sociável, ela tem um histórico de maior dificuldade nos relacionamentos afetivos e no ambiente de trabalho. Em uma observação rasa, a conclusão poderia ser de que apenas a primeira delas é autista. Contudo, foi a segunda que mais demandou tratamento e suporte profissional específicos.
Há uma corrente que defende que o diagnóstico de autismo está sendo banalizado. Isso, porque pessoas aparentemente mais “funcionais” recebem, tardiamente, o diagnóstico. Essa é uma perspectiva com a qual eu não compactuo. Quem sustenta esse ponto de vista não faz ideia do que é o dia a dia de um autista. Por mais sutil que seja a manifestação de suas características. Ou que possa parecer.
Não apresentar as características do TEA tão evidentes pode ser controverso para leigos. Mas o fato é que, dependendo de quem observa, o autismo pode ser extremamente óbvio ou não. No meu caso, por exemplo, falo devagar, não tenho muita expressão facial e minha gesticulação parece artificial.
Tudo isso, me fez sentir invalidada por ser assim. Como se eu fosse menos capaz por me comunicar de maneira peculiar. Entretanto, meus trejeitos não limitam minha capacidade produtiva. Muito menos minha capacidade de fazer escolhas e tomar decisões. Mas, o importante é que, hoje, me aceito como sou. E sigo produzindo e compartilhando conteúdo sobre o autismo. Minha intenção é convidar a sociedade a uma reflexão. Afinal, mais informação, menos preconceito!
Sophia Mendonça é jornalista, escritora, e mestranda em Comunicação Social.
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